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literatura

O poeta que só conseguia escrever em prosa

Américo Vespucci teve sempre talento natural para a escrita. Com apenas um ano de idade já rascunhava pequenas letrinhas em pergaminhos e papel artesanal da altura. Quando crescesse, tornar-se-ia poeta, entre outras coisas. Bem, as outras coisas serão aquelas pelas quais ficou mais conhecido, mas essas, para o nosso assunto imediato, desta crónica, neste final de semana, não tem intervenção direta e, consequentemente, não a referiremos.

Uma cidade rodeada por montes que tocam o céu

As primeiras nuvens juntavam-se em volta daquele espaço plano que se protegia no meio das montanhas. Visto do céu, montanhas que tocavam o azul, em picos brancos, tal como lençóis estendidos ou, noutra perspectiva, mantos brancos imperiais.

Um largo e vazio campo plano, coberto por terrenos verdejantes quebrado só por tons de azul, que se distribuíam aleatoriamente em vários pontos estratégicos. Não havia nada mais nesse reduto protegido pelas montanhas.

Faísca

E então, eis que a chama nasce

 

O Homem domestica o fogo da palavra

A luz da abstração abre todo um universo de possibilidades

Os cantos da mente iluminam-se e olham para si mesmos

Quando o fazem, ganham cor

Moldam-se á forma dando-lhe forma

 

E então, eis que a chama nasce

O olhar é criado e cria quando passa e nada mais faz

Passa e passa sem deixar de passar

Passa atormentado

Passa curioso

Passa aprendiz

Passa inventivo

Passa preso

Passa numa luta fugaz de se libertar

A longa noite de estrelas falsas

Longa a noite, a mais longa das noites que se esperava calma e sem sobressaltos, a noite escura de uma cidade que dormia sonhando com pesadelos e que, de repente, perto da madrugada e dos primeiros raios de sol, viu estrelas tiranas substituírem aquelas que durante o escuro e a paz do sono dos homens bons alumiavam a paz.

Argila que se transformou em peça de cerâmica

Quando os tempos difíceis chegaram às planícies e serranias do Alentejo, muita coisa mudou. Muito do que é tido por certo e garantido em tempos prósperos, para aqueles que os conhecem, quando se desmorona, torna-se agreste e muda-nos por completo, por fora, por dentro e a nossa geometria altera-se.

Prémio de Conto Manuel da Fonseca abre candidaturas a 2 de março

A 14.ª Edição do Prémio de Conto Manuel da Fonseca, instituído pela Câmara Municipal de Santiago do Cacém, vai abrir o seu período de entrega de obras a concurso, de 2 de março a 14 de abril.

Em comunicado, o município explica que o prémio “distingue uma coletânea de contos originais, escritos em língua portuguesa, por autor maior de idade, natural de qualquer país que integre a comunidade lusófona”.

A Sobreira mais velha daquele monte

Nesse Alentejo profundo, naquele que muito poucos conhecem e que assim gosta de permanecer, desconhecido, seja por sua vontade ou pela vontade dos que ao seu lado vivem vidas curtas e longas e desaparecem. Esse Alentejo, distante de tudo, onde a sensação de solidão é tão grande quanto o barulho do silêncio, é abrigo de paz aos poucos que lá vivem, na sua rotina, nos seus percursos, ano após ano, vida após vida, estação após estação.

A andorinha

Dia 29 de janeiro de 1829, nas serranias do Caldeirão, anos antes da guerrilha do Remexido, num lugar que hoje seria muito diferente e que, na altura, ninguém imaginava o que a Serra seria na atualidade, havia montes de pedra, com paredes espessas e impotentes. As suas condições seriam, debaixo do nosso olhar, algo estranhas. Nas serranias que hoje estão desertas quase, naqueles montes de pedras em escombros, nestes anos viviam tantas e tantas outras pessoas que não adivinhavam o futuro, não pensavam nos que os sucederiam, tal como hoje nos preocupamos em conhecer os antepassados.

Há um dia

Há um dia, há 42 anos, faz hoje muitos dias nascia um bebé, em casa. Foram duas as parteiras que muito admiro. Uma delas já não está entre nós. A outra sim. Não me recordo de ter nascido. Recordo-me sim de ter vivido até agora. Foram muitos e muitos anos em sítios tão diferentes como Portugal e Timor! Por ambos me apaixonei, como me apaixonei de igual forma pela África do Sul, pelos Estados Unidos e por tantos outros lugares onde passei e vivi. Viver é bonito! Nascer ainda mais, só não temos consciência do acto e depois do tempo que passamos até chegar ao ponto onde atualmente estamos.

O miradouro da recompensa

Ao subir o pequeno monte que a planície erguia,

fitava a linha que separava o céu do chão.

 

As minhas pernas, cansadas,

espelhavam a incerteza

sobre a recompensa

no final da imponente subida.

Quanto maior a inclinação do monte

mais os pés sentiam,

mais o coração sonhava.

 

Que prémio me esperava?

Sentia a confiança

de um ciclista de montanha

e trazia a certeza

de que um terreno no Alentejo

nunca poderia ser tão inclinado

como uma montanha

nos Alpes franceses.

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