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literatura

CADEIRAS

O corredor era enorme, quase a perder de vista. Num daqueles palácios antigos, onde as pessoas iam, agora, todos os dias, onde sempre entravam e saiam, nunca passando lá mais tempo do que aquele extremamente necessário, havia uma peculiaridade. O corredor estava pintado de branco, em arco, quase em nada a cobrir as paredes. Nelas, de um lado, janelas grossas, com vidros baços e grades feitas de um ferro tão forte que lembra a nossa história antiga. Tinham, aliás, como não seria de esperar outra coisa, feitos nessa altura.

JANELA SEM VIDROS

O monte era um monte antigo, caiado e construído com pedras ali das redondezas. O casal que lá morava era tão velho, mas tão velho que atravessara já dois séculos e continuava ainda rijo como se tivessem vinte anos agora. Ao lado do monte, uma azinheira ainda mais velha do que o casal e do que a cal da parede da casa. Não era tão velha como as pedras que faziam da casa uma casa, mas era já bem avançada nos anos.

MÃO FURADA

As noites frias de que vos falei na semana passada, depois das papas de milho, barriga já cheia, bochechas rosadas e uma vontade de dormir imensa, levavam os pequenos as barrigas cheias para a cama e deitavam-se debaixo dos lençóis e das mantas quentinhas que afugentavam, ainda que pouco no início, o frio que rodeava toda a casa e conseguia entrar pelas brechas da janela e por debaixo das portas.

PAPAS DE MILHO

Estes dias frios de Inverno que agora se aproximam trazem-me à memória aquelas noites meio frias da minha infância, quando ainda não tínhamos eletricidade em casa. Devia ter aí uns cinco anos. Naquele tempo, anos 80, ainda muitas infraestruturas estavam por construir nos perdidos montes da Serra do Caldeirão.

O MISTÉRIO DO GRILO QUE NÃO FAZIA BARULHO

Encontraram-se perto da meia-noite, junto do aquário, atrás do parque da cidade, às escuras para não dar muito nas vistas em relação ao propósito do seu encontro. Não, não era nada disso que estão já a pensar. Não se iam encontrar para conspirar nem para fazer poucas vergonhas. Isso não era história para ser contada aqui, nem haveria tempo de desenvolver todo o enredo… só eles sabiam o que se poderia dizer… Nas mãos, lanternas a pilhas, na cabeça, gorro e cachecol a tapar a cabeça. Iam preparados para qualquer eventualidade.

VINHETA DE AUTOCARRO II

(Conto em três partes)

De casaco cinzento, impermeável, às riscas, de um amarelo esverdeado e fluorescente, as botas plásticas, quentes, que lhe protegiam os pés e que, ao mesmo tempo, acomodavam micoses contínuas, António não era um homem feliz e não sentia que o dia de amanhã fosse um dia mais feliz que o de hoje. O hoje e o amanhã eram o que eram e não eram mais do que um contínuo passar de horas e de rotinas que só faziam sentido para alguns, para os ambiciosos.

VINHETA DE AUTOCARRO I

(Conto em três partes)

Chamava- se António. António Mendes. Era assistente operacional da Câmara Municipal e não era um homem feliz. Não encontrava felicidade nos livros que recolhia nem nas revistas que, avidamente, folheava, dia após dia. Nada que o pudesse fazer passar de um homem triste e fechado sobre si mesmo para um homem ambicioso e feliz.

OUTONO

As árvores começam a ficar empolgadas com a mudança. Sabem que vão ficar com cores diferentes. Castanhas, amarelas, um verde disfarçado de quase vermelho, as folhas, as roupas, a sua folhagem que daqui em diante se desnuda e veste de noiva no inverno.

DIAGNOSTICARAM UM TUMOR

Não espere, caro leitor, que este seja um artigo daqueles que o fazem ficar com a lágrima ao canto do olho, tocado e emocionado. Este artigo não é um artigo que o vai deixar a pensar na sua longa vida e nas escolhas mais felizes ou infelizes que tomou. Não procuro, de maneira nenhuma, que tente uma caminhada nos meus sapatos (tenho o pé pequeno, de pouco lhe serviria) ou que me procure com palavras carinhosas. – Eu não sei ser assim e aquilo a que uns chamam falta, eu chamo força. Uma força que é mais personalidade que traço de personalidade.

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