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literatura

“O Medo” é o tema subjacente ao Prémio Literário Hernâni Cidade

O Prémio Literário Hernâni Cidade, estabelecido pelo município de Redondo, contará com modalidade livre na edição deste ano, subjacente ao tema “O Medo”.

Esta iniciativa visa homenagear a memória do professor e escritor Hernâni Cidade, natural da vila alentejana, assim como incentivar a criatividade literária entre jovens e adultos.

De acordo com a Lusa, a edição 2020 deste prémio vai atribuir aos três primeiros classificados 750, 375 e 250 euros, respetivamente, prevendo-se ainda o regulamento a atribuição de menções honrosas.

Contos breves no tempo curvo - "Esta roda está parada, por falta de mandador"

Hoje de manhã, ao sair de casa, perguntei-me se essa conversa realmente havia acontecido alguns minutos antes, ou se eu apenas a havia imaginado, ou se fazia parte de um sonho daqueles que acontecem no final da noite.

Senti-me desconfortável, mas não assustado. Sentei-me no carro, imóvel por alguns minutos, antes de conseguir encarreirar no trânsito. Tão distraído que quase causei um acidente. 

Saber (a)mar

Pouso a palma do meu pé esquerdo delicadamente na areia molhada; ficando este com pingas, nunca esquecendo da camada de areia que o pinta serenamente. Respiro fundo e inalo o cheiro da maré cheia que dança ao meu redor: cheira a esperança, cheira a novo, cheira a renovação. Assim que o meu peito baixa, fecho com cuidado os olhos, sentido o mesmo a relaxar. Estou num estado profundo de calma.

Outro passo e tenho os meus dois pés dentro de água. Outro e a água voa pelos meus tornozelos. Ar. Preciso de ar, de novo. Volto a repetir a ação passada e recebo novas sensações.

O polvo Zacarias

Zacarias não é nome de mafioso. Zacarias é nome de profeta, nome de actor. Mas este era mafioso. Pior do que isso, ele era o líder absoluto da máfia do plâncton. Todo o crime das profundezas do mar era gerido por ele.

Vivia no lugar mais escuro do oceano. Mudava de cor várias vezes e enchia de tinta os inimigos. A sua rede incluía outros polvos mais fracos e mais modestos em tamanho. Zacarias era dos maiores polvos que a história já tinha conhecido.

Deixem-me

Deixem-me. Quero estar sozinha. Quero esta sozinha enquanto o mundo estiver pintado a preto e branco. O mundo continua a transpirar crueldade e não consigo respirar. Larguem-me. Preciso de espaço. Preciso de enxergar com os meus próprios olhos; caso contrário, não acredito.

Suspiro.

Abraço o chão com a palma do meu pé devagarinho. Vivo numa relação intensa com o medo. O meu coração é agredido por olhares penetrantes tendo uma ferida constantemente aberta. O género que tenho tem o poder de mudar o meu destino. O meu fado está mão de outros.

Lágrimas de crocodilo

Sentado na beira de um precipício, olhando ao longe a terra-prometida, Miro sonhava com uma vida diferente. A sua condução de crocodilo não lhe tinha dado muitas alegrias e viver no meio de tantos outros como ele, que ambicionavam uma vida diferente, limitava as suas capacidades. Nascido na zona do Nilo, q única área que conhecia era essa. Imagine-se sair da sua zona de conforto para viajar até um lugar distante, sem ter grandes artes ou habilidades.

Viver na pele de uma lesma

Numa terra distante de Beja, ainda além de Albernoa, havia uma pequena aldeia. Não sei exatamente o nome mas sei que era pequena. Nesse mesmo lugar nasceu uma lesma de seu nome Bina. Infeliz, nasceu num descampado sem cuidados médicos. Sobreviveu ao nascimento em circunstâncias difíceis. Família de lesmas, Bina, teve uma infância e adolescência ainda mais problemáticas. Na escola, era uma criança lenta...na universidade, levou dez anos a terminar o curso.

Dei-te tudo

Dei-te o mundo. Pelo menos o meu.

Dei-te as minhas lágrimas, dei-te a minha dor e continuo do avesso.

Perdi a minha voz, o meu olhar, perdi-me em ti e ainda não me encontrei.

Dei-te o meu ar junto da minha mão e largaste-a. Caiu tão suavemente que só senti quando voltei a ter um frio desconhecido, será? Tão desconhecido assim?

Fiz as pazes com a dor e jogamos xadrez. Caída nela, dá-me forças (ironicamente), não me puxando contra si, não desistindo de mim.

Hoje, contra o vento furioso, despeço-me da tua sombra que me persegue inconscientemente.

Dermatobia hominis

Lá vou eu buscar o nome latino para outra das minhas crónicas. Pois bem, assim foi de modo a não assustar o senhor leitor e até a deixar a sua curiosidade mais afinada.

És um abutre!

Esta é a história de Feliciano Fortunato da Silva Feliz. Não é uma história qualquer, mas uma fábula que procura apelar ao vosso sentido de compaixão mais profundo por uma criatura que apesar do nome, foi sempre o oposto. Nascido abutre, era tão feio como a própria ave. Tinha no seu bico e face todas as características negativas que faziam dele temível. Nasceu careca e sem penas. Dotado apenas de uma leve penugem, as penas lá foram crescendo. Em todos os lugares menos na cabeça. Sempre foi discriminado, por todos.

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