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Julho

Nos primeiros dias do mês, Eloísa sentiu que uma vida florescia dentro de si. Estava grávida. Começaram os enjoos mas, ainda assim, não eram suficientes para ponderar o que estava a viver.

Julho é um mês muito quente em Beja. Apesar de ser uma cidade que apaixona, em julho não há muito a fazer e o trabalho de Eloísa era inexistente. A fantasia em que vivia desligou-a de tudo, não completamente mas tornou-se segundo plano.

Junho

O mês de junho marcou a diferença na vida de Eloísa. Os primeiros dias do mês foram a continuação do sonho que tinha começado em maio. Aquela mulher estava apaixonada por aquele multi-milionário modelo. Ficaram juntos no melhor hotel do Funchal, percorreram todos os recantos e conheceram todos os encantos da ilha da Madeira e do Porto Santo. Era mesmo, na verdadeira acepção, um sonho. Eloísa sentia-se parte do corpo de Pablo e o mesmo da parte dele.

Maio

No dia 3 de maio, após a troca contínua de mensagens e vídeos e vídeo-chamadas por instagram, este era o dia em que Pablo chegaria à Madeira. Este era o dia em que Eloísa finalmente conheceria o seu grande amor, ou paixão, digamos assim.

Abril

Foi nos primeiros dias de abril que os colegas de Eloísa tiveram conhecimento do que lhe sucedera. As notícias chegaram através da internet, e deixaram todos os que a conheciam impávidos. Eloísa deixara-se apaixonar e fugira com aquele que pensava que seria o seu grande amor.

Tinham-se conhecido no instagram. Como? Eloísa seguia este homem que partilhava fotos fantásticas de uma vida paradisíaca numa ilha das Caraíbas. O seu nome era Pablo e as suas idas diárias ao ginásio davam-lhe um corpo pelo qual qualquer mulher e não só se interessavam e cobiçavam.

Os jardins não nascem de um dia para o outro

Na minha cabeça já só andaria para frente; mas virei as costas. Foi mais forte que eu. Algo me puxou. Caí, de novo. Numa lama suja que me embrulha de uma forma, (in)felizmente, familiar.
Jamais pensaria que os meus passos se enganassem, e regressassem anos atrás. Percebi isso quando senti os meus pés a queimarem, ao mesmo tempo que o vento embalava os meus fios longos de cabelo numa balada desajeitada.

Confissão ao meu amor (im)possível

Mil e uma desculpas ao meu amante desconhecido. A ti. Desculpa-me.

Creio que o meu amor tem ossos frios e se esconde como o vento entre as folhas de todos os jacarandá-mimosos.

Creio que o meu amante descansa o seu corpo numa cama com lençóis frios e eu não quero verter mais lágrimas, mas eu quebro a minha alma assim mesmo.

Fevereiro

No início do mês de fevereiro, a mesa do almoço estava posta como sempre. Dois lugares, embora só um deles se ocupasse, todos os dias. Naquele pequeno apartamento da Rua de Moçambique, em Beja, a mesa era posta de modo a que duas pessoas se sentassem frente a frente e conversassem durante o almoço ou o jantar. O pequeno-almoço era tomado na cozinha mas tinha também dois pratos e duas chávenas. Uma delas permanecia sempre intocada, era semanalmente lavada e estava ali. Parada mas certa de ter alguma utilidade.

Preto

Preto.

O caminho está colorido com um preto delicado e eu estou perdida.

De repente

estou numa casa.

Nunca tinha chegado a esta casa. Sempre estivera muito distante. Há quadros pendurados que gritam agressivamente comigo. Lâmpada que ameaçam tocar na minha face. Uma corrente de ar abraça o meu pescoço. Sou facilmente invadida por maus pressentimentos.

Continuo perdida.

Tento agora caminhar. Voltar à vida. Dou dois passos. Será que consigo subir as escadas?

Janeiro

O ano começara no dia um, precisamente às zero horas. A festa tinha sido de arromba para todos, exceto para aquela mulher que se esvaía em sangue no quarto de um hotel a muitos quilómetros de casa. Podia ainda ouvir lá fora o fogo de artifício e as festividades, enquanto as lágrimas lhe corriam pela cara abaixo e no rosto traços de sangue marcavam a sua pele como se fossem rasgos e marcas de guerra, tribais.

Dói

Dói - digo-te. Está a doer - aviso-te. Permaneces com o meu coração nas tuas mãos. Apertas com força. Pára, nada. Mas tu não te importas minimamente com isso. Continuas com as mesmas ações; aquelas que são inexistentes. Sei que odeias correr riscos; não poderás abrir uma exceção? Não gostas de caos, organizas tudo. Qual é o meu lugar? Nada fazes. Nada dizes. Tampouco praticas.

Eu não sou capaz de te mentir; tu és? Serias capaz de admitir todas as palavras que tens engolido? Oxalá não sufoques. Como saberei, então?

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