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José Carlos Adão

CAMPOS ALENTEJANOS

Não há coisa mais bonita do que um campo doirado e roxo misturado no meio das árvores. É um tapete colorido como os de Arraiolos, tão perfeito e tão bem desenhado que é o segredo da sua construção. Não parece haver nele grande ciência escondida, mas há. Como parece não haver segredo na disposição das estrelas dos céus, desenhadas em perfeição e colocadas no sítio certo, o segredo que as junta foi descoberto há tantos e muitos anos quantos a civilização humana.

UMA PAUSA

Faltavam poucos minutos para as cinco horas da tarde e estavam várias pessoas na paragem de autocarro à espera do dito cujo. Um homem, de gabardine cinzenta escura, debotada nas mangas e no colarinho. As calças, de sarja, eram também cinzentas e estavam vincadas mas não se diferenciavam de todas as outras que estavam ao seu lado. Ninguém falava com ninguém. Era essa a regra. Não se conheciam e não se queriam conhecer. Para quê trocar palavras com pessoas que não voltariam a ver. Para que gastar saliva. Cada um tinha os auriculares postos e ouvia as coisas que ouvia.

É FEITIO…

Há coisas que o vento deixa passar e outras coisas que a tempestade segura, agarrando-se com ventos e águas. Não é defeito, é feitio. Há pessoas que são em si uma tempestade, um turbilhão de movimentos e uma tempestade que se agita em volta de si próprio. Não seguindo todas o mesmo princípio, tornam-se estas tempestades em pequenos copos de água. Não é defeito, é feitio.

VIAGEM DE BARCO

O mar parecia um espelho. Calmo, plano, sem qualquer tipo de ondulação ou toque de brisa. Ao olhá-lo via-se o céu e a nossa cara refletida como se fossemos um Narciso apaixonado por si próprio. Nesse mar calmo, apetecia-me navegar além das ilhas verdes e rochosas que se plantavam, além da minha imaginação e navegar dentro dela, como se eu próprio estivesse na minha cabeça e a navegação fosse feita à vista, dentro dela, sem astrolábios ou materiais de navegação.

A PROFESSORA NOVA

Chegava o mês de outubro e era altura de os moços e as moças voltarem à escola e àquela azáfama dos cadernos e dos livros novos que haviam de chegar à papelaria e depois seriam transportados para a Escola que ficava lá no meio do monte. Os moços e as moças da aldeia tinham passado mais ou menos três meses de férias. Nesta altura as férias de verão eram longas e longas e quando estavam a chegar ao fim, parecia que tinham começado no dia anterior.

CHARRUAS

Eram dois irmãos, o Sertório e o Viriato. O Sertório fazia musculação e o Viriato tinha uma charrua e um par de bestas. Não moravam no mesmo sítio nem se conheciam. Tinham sido separados à nascença e eram muito diferentes, apesar de gémeos homozigóticos. Chamavam-se assim por causa dos antigos, esses generais pré-romanos. Os pais tinham tentado cuidar dos dois irmãos mas as circunstâncias da vida levaram todos a caminhos diferentes. Nem um se voltaria a encontrar, até ao dia em que aqui se relata nesta breve crónica.

O GELADO

Ice cream… I scream… Era um dia daqueles tão quentes mas tão quentes que até as Fénix depois de congeladas entravam em combustão, fechada dentro de uma arca congeladora, onde o gelo evaporava com o calor, tudo derretia. Apetecia-me tanto um gelado fresquinho, um mesmo uma garrafa de água. Vou a caminhar, debaixo de uma torreira de quarenta e tal graus, tenho gotas de suor a cair pelo corpo, as minhas miragens transformam-se todas em gelados fresquinhos de uma qualquer marca que não menciono para não fazer publicidade, mas apetece-me um ice cream ou uma garrafa de água fresca.

34 COM A 7.ª

Da minha janela de casa vê-se o pátio interior de um prédio onde vive muita gente cujos rostos não me são familiares. Se algum dia os vi, não me recordo deles. Se os voltar a ver, não me recordarei da última vez em que os vi. Ter vizinhos num prédio em que o convívio se restringe a um olá como está no elevador quando é caso disso torna-nos um número de apartamento e uma caixa de correio. Somos isso.

MIGAS

Isto, se tudo correr bem, aterrei há poucas horas em Lisboa, volto a pisar o solo da capital, no Aeroporto Humberto Delgado. A longa caminhada entre a saída do avião e a recolha das bagagens faz-me pensar, passo após passo, que estou a pisar território nacional mais uma vez, durante alguns dias apenas. Recordam-me estes passos a primeira vez que saí do país. Corria o ano de 1996 e fui passar oito dias a Londres, precisamente a um intercâmbio sobre a União Europeia com jovens de todos os países. Recorda-me esta viagem os bons momentos que foram e a nova experiência que foi para mim.

UM CAMPEONATO DIFERENTE

Acabei de beber um café. Os nervos não me deixam agarrar na chávena com firmeza e tremo… o estômago parece saltar e dar voltas. Mais rapidamente do que a montanha russa, ando também eu às voltas. A chávena palpita-me na mão e tudo parece surreal. Tudo, no fundo, é surreal. Ando há um mês a ver jogos, umas vezes vestido a rigor, outras vezes nem tanto, assisto a ver só pelo prazer de ver e pela curiosidade de me sentir parte de um continente que neste momento vibra, que se une, que se afasta, que diz bem e que diz muito mal, que pragueja, que ri, que chora. As emoções, multiplicadas dentro de cada uma das pessoas que diz presente, são um turbilhão de energia que a Europa precisa, da alegria não sancionada.

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