6 Agosto 2016      13:29

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34 COM A 7.ª

"PARALELO 39N"

Da minha janela de casa vê-se o pátio interior de um prédio onde vive muita gente cujos rostos não me são familiares. Se algum dia os vi, não me recordo deles. Se os voltar a ver, não me recordarei da última vez em que os vi. Ter vizinhos num prédio em que o convívio se restringe a um olá como está no elevador quando é caso disso torna-nos um número de apartamento e uma caixa de correio. Somos isso.

Sentado na cadeira tipo poltrona que reclina torna-me rei e senhor dos meus poucos metros quadrados, ou pés seguindo a métrica oficial. Agarro no telefone e passo os olhos pelas notícias do dia que sigo nas redes sociais. Penso nos números que sou e sinto-me parte de uma contagem maior, gradando desde o prédio, à cidade e à cidade maior, aquela que se vê todos os dias das ruas ao lado da minha. Os prédios lá ao longe que não é tão longe quanto isso desenham uma quase perfeita. Conheço os prédios todos à distância. Sei o que cada um deles é. Sei em que rua se encontram. Também sei as estações de metro onde estão os prédios. Conheço os prédios que estão nas ruas, esse que aparecem no horizonte.

Olho as novidades do dia e penso no que poderei fazer. O problema não é a falta de coisas a fazer, é a imensidão da escolha. Vou passear. Decido não ficar em casa. Decido reduzir-me aos pés que me rodeiam. São os passos em volta na volta dos passos que, no fundo, no fundo, não fazem sentido nenhum. Com esta breve ilusão de pensamento, decido pensar mais friamente e escolher um destino. Escolho a 34 com a sétima avenida e ponho-me a caminho. O que vou fazer? Não sei, mas isso também não interessa muito porque há algo a fazer a cada metro da cidade grande que é Nova Iorque. Foi construída em números ordinais e cardinas que são ruas e avenidas. E cada uma delas é diferente no este e no oeste.

Apanho o metro regional também chamado Path e chego ao destino depois de entrar no metro dentro da cidade já em cima. Nenhum dos rostos me é familiar e em cada um deles penso nos números que cada um representa. Sou a soma dos meus números como cada um deles é a soma dos seus números. O metro, esse, divide-se em números e letras e o percurso é marcado pelos sons que se repetem, pelo cheiro a ferro contra ferro e a voz a anunciar os números que todos somos e sabemos que somos, embora os possamos pensar e somar cada um de nós na sua língua.

Chego à 34 com a sétima e volto a ver a luz do sol. Não vejo o sol em si porque o dia está nublado e os arranha-céus substituem-se a eles também. Mas há algo especial na 34 com a sétima que não sei explicar. Há uma surpresa no alarido, nos pequenos barulhos, no ruido enorme que as pessoas fazem e, em cada uma delas, um rosto que pensa em números. Sigo em direção à 42 com a sétima à mesma e sento-me na escadaria improvisada. À minha volta, tantos rostos como o meu, e tantos tão diferentes. Quais os medos de cada um deles, quais as suas alegrias? Em quem vão votar? Que ambições têm? Estão cá ou só de passagem? Em que língua sonham? EM que língua fazem contas de cabeça? Em que país são só mais um número? Talvez aqui na 42 com a sétima possa ter respostas e chegue a conclusões.

A solidão acompanhada de multidões ajuda-nos a refletir. E numa cidade tão grande como esta em que matematicamente se pode chegar a todo o lado, pensando em números, o meu pensamento abstratos e os meus pensamentos vagos tornam-se mais concretos e as repostas poderão surgir.

Na 33, na 34, na 42 ou na 50, há com as avenidas essa relação de diversidade e do pormenor. Em cada metro ou pé onde gasto as solas dos sapatos a esperança de que o meu pequeno canto seja uma casa e o número que sou ganhe nome e rosto. Há na rua dos números a improbabilidade do nome e do rosto. Mas essa pode acontecer, na lógica das probabilidades, seria tão certo como o Euromilhões, se eu jogasse.

 

Imagem daqui