15 Agosto 2021      10:11

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The game is for the athletes

Questão de investigação: Existe e é prejudicial a promiscuidade entre a política e o futebol. Mas será que a política não tem nada a aprender com o desporto?

Todos podemos concordar que  deve haver uma separação total entre a nossa classe política e o futebol, e também sobre o baixo nível de cultura política existente no nosso país. Somos herdeiros de um conjunto de valores  enquanto membros da civilização ocidental, transmitidos pela filosofia política ou pelo cristianismo, que temos a obrigação de conservar e compreender de forma a desenvolver a nossa cultura política. Isto significa entender a política. Só entendendo a política estaremos mais perto de evitar esta promiscuidade ou a corrupção.

Se o nosso único objetivo na forma de fazer política é exclusivamente  a política, então seremos sempre políticos profissionais e trapaceiros sem quaisquer valores morais. Cito a frase do cientista  político brasileiro Bruno Garshagen: «Se não há uma cultura virtuosa que oriente e define a política, a política orientará e definirá viciosamente a cultura». Cultivar a nossa mente com esta «cultura virtuosa» é salvar a nossa democracia e garantir que passe para a próxima geração. No entanto, não acho que seja de todo verdade que não haja nada que ela não possa aprender com o desporto. Usarei dois exemplos ilustrativos do meu ponto de vista.

Em primeiro lugar, em qualquer desporto só existe jogo se todas as partes envolvidas compreenderem as regras do mesmo e as respeitarem. O mesmo se aplica na política: só existe democracia se, e quando, os políticos compreenderem as regras da mesma e as respeitarem. As democracias não provêm de eleições, mas sim quando os governantes respeitam a lei, possuem um sentido de serviço publico e acima de tudo um sentido de  responsabilização.  O direito de voto, ou num sentido mais alargado, o direito de liberdade de expressão, por mais fundamentais que sejam não são suficientes para garantir uma democracia  se os governos que daí resultam tiverem como único objetivo o poder.

O segundo exemplo parte do jogo de futebol em si mesmo. Quando olhamos para um jogo de futebol vimos que vários jogadores jogam o melhor que sabem (para o bem ou para o mal) segundo um conjunto de regras que por um lado lhe dizem o que não podem fazer  mas ao mesmo tempo lhe dão liberdade suficiente para jogarem o que sabem sem qualquer interferência externa. Em momento algum o árbitro entra em campo e lhes indica como devem bater um canto ou como o médio centro deve realizar aquele passe em profundidade para o ponta de lança. Importante referir que nenhuma das regras foi criada no primeiro jogo de futebol de sempre por uma federação de qualquer país ou pela FIFA/UEFA e continua-se sem saber quem exatamente criou aquelas regras. No entanto elas existem, são aceites por todos os intervenientes  e na altura de serem arbitradas  no decorrer do jogo são reconhecidas por todos os atletas e é conferida autoridade ao árbitro para as aplicar pois não são impostas mas resultantes de um acordo mútuo de origem espontânea e natural. Se nesta metáfora substituirmos os jogadores por cada indivíduo na sociedade, o árbitro pelo governo e as regras pelas nossas leis  («rule of law»)  obtemos como qualquer sociedade e a atuação política sobre ela deve funcionar.

A nossa sociedade é uma ordem porque tem  regras para a sua manutenção, mas tal como Hayek descreveu, essa ordem é espontânea pois essas mesmas regras tem um sentido de liberdade negativa e uma origem não orgacionista pois nenhum grupo de pessoas sabe  o que é melhor para cada indivíduo, nem está acima dele. A sociedade enquanto ordem espontânea é composta por outras ordens como o  desporto, a nossa Língua ou a maioria das leis que são  aceites em sociedade e existem desde há séculos («não podes matar», por exemplo).

O espirito inglês das leis ( the common law ) representa bem esta ideia: a lei é do povo e não uma arma dos seus governantes, possuindo casos de jurisprudência que datam desde o século XII. A língua é outro exemplo para perceber melhor o que quero dizer: começamos a falar antes de aprendermos qualquer regra; o que demonstra o ridículo que é o acordo ortográfico onde estamos inseridos. A nossa língua é única e maravilhosa porque diferentes países falam português mas cada um à sua maneira e isso é que importa, as regras são secundarias e definidas pelos falantes, nenhum grupo de burocratas que leva o dia a debitar regras tem o direito de nos dizer como devemos falar.

As pessoas não têm que ser constantemente relembradas, em particular nos aspetos mais simples da sua vida, de que existe um grupo de pessoas com poder de coação mesmo que este seja indiretamente exercido sobre elas. A política é a vida das pessoas e não se pode brincar com ela- redistribuir o poder ao máximo pelo individuo  tem que ser a grande função de qualquer político.

Conclui-se assim que o governo deve saber a sua posição na sociedade enquanto árbitro e respeitar as regras do «jogo», conservando-as de forma a  permitir a sua manutenção, tendo sempre em mente que em momento algum o árbitro se torna jogador. Seja qual for o motivo. Para jogar o jogo ninguém sabe tanto como nós «atletas».

 

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Alexandre Góis, natural de Reguengos de Monsaraz, é estudante no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica de Lisboa. Foi representante dos alunos no Conselho Geral da sua escola secundária e foi participante e finalista do Euroescolas 2018.