25 Abril 2019      10:18

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“Agora, o povo unido jamais será vencido!” - Será?

Após terminar com 48 anos de ditadura, a mais longa ditadura europeia, há 45 anos Portugal criava condições para ser uma “terra da fraternidade” onde o povo seria quem mais ordenava.

Gritava-se que “o povo unido jamais será vencido” e tinha-se ganho o direito próprio a fazê-lo, a ser livre de dizê-lo!

Aposto até que, se o Estado Novo tivesse decidido aumentar os salários dos trabalhadores rurais, por exemplo, da Madeira e Açores, e não os do continente, este teria sido mais um fator - a juntar a tantos outros mais penalizadores e gravosos - que teriam ajudado à revolução. Mas, passados 45 anos de Democracia, isto acontece com os professores; a recuperação do tempo de serviço congelado durante a “troika” - 9 anos, 4 meses e 2 dias - será progressivamente contado aos docentes das ilhas, mas não aos do continente, trazendo à memória os gritos e pedidos de igualdade e direitos deste dia de 1974. Mais, a desigualdade acentua-se quando a maioria das profissões já o recuperou e os professores não o farão.

Naquela madrugada que viria a celebrizar Salgueiro Maia, estar-se-ia longe de imaginar sequer que Portugal, nas condições ainda frágeis - se compararmos com a maioria dos ainda 28 países da União Europeia - é dos países que mais caro paga os combustíveis, a eletricidade e os serviços bancários. Portugal continua a pagar o buraco de alguns bancos, a ver vir ao cimo, com regularidade, casos e mais casos de corrupção que lesam o Estado em milhões e milhões de euros e pouco, ou nada, acontece.

Acredito que, muitos dos homens que arriscaram as suas vidas durante aquela madrugada tenham já pensado - como já ouvi alguns dizerem - “não foi para isto que fizemos Abril!”

Em 1974, Portugal tornou-se livre. O poder voltou ao povo. E o povo... não soube bem o que fazer com ele e foi difícil cortar com os rostos do passado, evitar que outros rostos viessem com os mesmos hábitos, numa novela ao nível do “Triunfo dos Porcos” de Orwell; mas conseguiu-se.

Em 1974, Portugal ganhou o direito de, em eleições realmente livres e justas, escolher quem queria que comandasse os seus destinos e, hoje, 45 anos depois, apresenta taxas de abstenção em eleições acima dos 50%.

Não terá certamente para isto que, no dia de hoje, em 1974, o Movimento das Forças Armadas (MFA) deu voz e ação aos anseios do povo e põe em curso a revolução que preparava há uns anos.

Às 22:55h, do dia 24 de abril, tocou a música “E depois do adeus”, de Paulo de Carvalho - o mote para os preparativos das forças revolucionárias - já Otelo Saraiva de Carvalho estava instado num posto de comando secreto no quartel da Pontinha (Lisboa).

Passados vinte minutos do dia 25, no programa “Limite”, da Rádio Renascença, tocou uma transmissão gravada com a primeira estrofe de “Grândola Vila Morena”, a canção que Zeca Afonso; as tropas - vindas de Estremoz, Figueira da Foz, Lamego, Lisboa, Mafra, Tomar, Vendas Novas, Viseu, e outros pontos do país - estavam já em movimento rumo a Lisboa carregando aos ombros os desejos de um Portugal livre e democrático. Anseios que a população partilhava e que, assim que se apercebeu dos acontecimentos, prestou um forte apoio a estes homens e à revolução em movimento.

Sítios estratégicos - quartéis, Aeroporto de Lisboa, o Rádio Clube Português, a Emissora Nacional, a RTP e a Rádio Marconi, entre outros - viriam a ser ocupados ao longo da madrugada.

Por essa altura, na Escola Prática de Cavalaria de Santarém, o capitão Salgueiro Maia discursava aos militares dizendo que: "Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou! Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos. De maneira que quem quiser, vem comigo para Lisboa e acabamos com isto. Quem é voluntário sai e forma. Quem não quiser vir não é obrigado e fica aqui."

Os momentos mais críticos da revolução, na minha opinião, tiveram o Terreiro do Paço como cenário; um pelotão do Regimento de Cavalaria 7, comandado pelo Alferes Miliciano David e Silva, fiel ao Governo e as forças às ordens do MFA estavam frente a frente.

Tive a felicidade de ouvir, da voz de um presente, o relato de como Salgueiro Maia enfrentou e avançou desarmado contra um canhão, e como os militares do lado do Governo não cumpriram as ordens do Brigadeiro Junqueira dos Reis e recusaram disparar sobre o o capitão alentejano, que viria depois a seguir para o Largo do Carmo, onde estava instalado o Posto de Comando do Estado Novo e Marcelo Caetano.

Decorreram conversações entre o General Spínola e Marcelo Caetano, para a obtenção da rendição do Presidente do Conselho, mas foi necessário que, no Carmo, Salgueiro Maia, ao megafone, fizesse um ultimato à GNR para que se rende-se, ameaçando rebentar com os portões do Quartel do Carmo, e abrindo fogo sobre a fachada do quartel momentos depois.

Eram já 18:30h, quando a Chaimite Bula entrou no Quartel do Carmo para transportar Marcelo Caetano à Pontinha. O Estado Novo terminara, mas o Processo Revolucionário em Curso (PREC) quase atirou com o país para as portas de uma guerra civil. A luta entre a extrema-esquerda e a social-democracia levou a um clima de pré-guerra civil que culminou no golpe militar de 25 de novembro de 1975, após o “verão quente” pelas disputas entre as forças radicais e as forças moderadas, pela ocupação do poder do Conselho da Revolução.

Mas a democracia venceu, viveu e cresceu. Não sendo “abril” um processo estanque, deve ser valorizado diariamente, bem como a suas conquistas de Liberdade e Democracia.

O Portugal livre trouxe-nos claras melhorias nas condições de vida como se pode verificar pelo aumento da esperança de vida das mulheres - 70,8 anos (1970) 80,6 anos (2002); pela diminuição abissal da taxa de mortalidade infantil - (permilagem) 37,9% (1974) 5,0% (2002); e materna - (por 100 mil nados vivos) 73,4% (1970) - 2,5% (2000); pelo aumento da taxa de atividade feminina: 19% (1974) 46% (2003); pela taxa de cobertura de água canalizada: 47,0% das casas (1970) 97,4% das casas (2001); de esgotos: 58,0% (1970) 96,7% (2001) e eletricidade: 63,0% (1970) 99,6% (2001) ou, por exemplo, da redução do analfabetismo de 33,6% (1970) para 9,0% (2001).

Importa manter sempre em mente as palavras de Ary dos Santos: “Se abril ficar distante / Desta terra e deste povo / A nossa força é bastante/ Para fazer um abril novo!”

Viva a Liberdade!

 

Fotografia de reflexodigital.com com Celeste Caeiro a colocar um cravo na espingarda de um GNR