12 Agosto 2018      02:30

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Ateísmo e pessimismo, uma coabitação necessária…e conveniente

O multifacetado George H. Smith (norte-americano, nascido no Japão ocupado em 1949), escritor, orador, académico, notório ateu e libertário, coloca a racionalidade na vanguarda da frente de combate contra o efeito religioso, e fá-lo razoavelmente bem na sua obra mais famosa, Atheism - The Case Against God. Dá para todos os lados por igual, aparentando a distância necessária que permite a discussão em termos precisos (i.e., a validação pela norma do método), mas tudo se resume a uma lógica tão evidente quanto vulgar:

É a quem ostenta uma qualquer proposição que cabe a sua prova. O ateu não assegura, não afirma nada, apenas não crê em algo que outros garantem existir para lá de qualquer dúvida. Pois que o provem. Se não conseguem fazê-lo em términos racionais, a falha fica exposta, a contradição torna-se óbvia. E, é claro, nenhum crente poderá provar racionalmente o que por definição é ininteligível.

Como era de prever, Smith rejeita com todas as forças a hipótese niilista, que funde com a hipótese pessimista. Certamente por conveniência para com o libertarismo à là americana, que professa. O libertário made in América é por natureza exclusivamente autocentrado, o homem é levado a crer em si próprio e, sem contar com ninguém, a caminhar para a sua, por assim dizer, emancipação. Percurso virtual, pois, que nas palavras de Smith desagua na extravagância da felicidade. Excessos de um idealismo proto religioso; um aborrecimento para ateus. É de capitalismo que falamos, pois claro!

O caminho mistura, então, a responsabilidade pessoal (com a qual qualquer racionalista concordará) e a busca da felicidade. Todavia (o maior mas que se possa conceber) o mundo é irregularidade, acidente, ou, pelo menos, contem uma fortíssima probabilidade de acidente. O Universo não se preocupa com ninguém, crianças morrem aos milhares todos os dias, a morte é um acto solitário (já dizia Bradbury, e nada é mais óbvio), ineludível. Temos de partilhar espaço com uma espécie que não hesita em ser hostil, e por muito que nos distanciemos não podemos escapar, pois fazemos parte dela. O Universo, já que o mencionámos, qualquer coisa como 99,99999999999999999999999(…)% de vácuo a 270 graus negativos, e a maior parte do restante, a substância material galáctica (estelar ou planetária), ou ainda demasiado fria, ou excessivamente quente (de resto, a maior parte); uma força que o mais das vezes esmaga tudo o que se encontra nas suas cercanias sem dó nem piedade – chamam-lhe gravidade, o que, pelo menos na nossa língua, diz quase tudo.

Quer dizer, a responsabilidade pessoal choca com um meio frágil, quando não adverso, e circunstâncias que o mais das vezes podem ir da dificuldade à catástrofe.

Ao libertário à là americana faltar-lhe-á compaixão pelo sofrimento alheio, e por essa razão pode fugir para a ideia da felicidade, só sua – porque a sonha. Ser ateu é, ainda assim, ser ateu num dado contexto.

Mas escapar é, no máximo, resvalar pela verdade. O ateu, se se faz ateu por via de uma busca racional pela verdade, não importa qual nem em que termos – sabendo que é trajecto com inúmeros obstáculos, e que algum não conseguirá transpor –, não pode deixar de observar a débil mecânica da existência. Caminho que percorre inserido num certo contexto, nem sempre como quer, mas com a certeza de que não se pode retirar a meio. Antevistas então as hipóteses, só lhe resta a filosofia pessimista. E uma vez na posse desse conhecimento, pode ou não aceitar a responsabilidade; caso a aceite, tanto melhor, fará por si e pelos outros o que lhe for possível, encontrará o sentido da sua vida (a satisfação é outra coisa) … O ateísmo conduz ao pessimismo, mas este não leva forçosamente ao niilismo.

 

Imagem de perdido.com

 

 

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