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literatura

Todo mundo tem o diabo que merece

Não comprei novos espelhos na Amazon, nem noutro lugar. Foi uma piada. Depois de quase 20 anos encontrei, no sótão, um espelho da minha casa anterior; limpei-o e agora está pendurado na casa de banho do rés-de-chão. Depois de alguns dias, o mesmo tipo que falava comigo no espelho no andar de cima, começou também a aparecer aqui, embora, até ao momento, tenha permanecido em silêncio porque está ressentido pela minha piada anterior.

As pequenas coisas na vida de uma baleia

No meio do oceano, lá muito longe nas profundidades, vive uma baleia. Sóbria, inteligente, a baleia é um ser delicado que, como todas as outras baleias, depende do seu grupo para viver e sobreviver.

A baleia é um animal grande, de porte espadaúdo, mas tem sentimentos. Muitos sentimentos. Esta baleia era um ser fascinante, como fascinantes são as palavras, as ideias e aquelas imagens que criam na nossa cabeça.

Não sabemos muito sobre baleias. Sabemos que são seres mamíferos como nós.

Contágio

O contágio começa

quando nos deixamos

contagiar;

e a vida

em todos os seus dias

é um conjunto

de epidemias.

 

Não há como fugir.

É lavar as mãos

contra quem nos quer mal

e é abraçar,

apertar

e beijar

quem queremos amar.

 

Imagem de irishtimes.com

Carta a uma girafa

Querida Girafa,

Ando há meses pensando em como te escrever estas palavras. Na minha ideia, é preciso coragem para, finalmente, te dirigir breves linhas que sei que talvez nem vás ler. Porém, é importante e obrigatório que as escreva.

Certamente sou alguém absolutamente desconhecido para ti. Nunca tive a coragem de te dirigir a palavras certas. E por isso me calo cada vez que passo por ti e cada vez que nos cruzamos. E por isso desvio o olhar. Há algo em ti que fez nascer algo em mim e me ajudou a ver a savana de outra forma. Bem, ajudou-me a abstrair do capim.

 

A chaminé da vida

A chaminé da casa

liberta o fumo

das conversas

à lareira.

 

No inverno

a noite termina sempre

onde começa;

a melodia das vozes e

os timbres mais previsíveis

são o aconchego

de quem se limita a escutar.

 

As horas passam

e ninguém ousa romper

o semicírculo da reunião

familiar.

 

A rua cheira a lareira;

e neste momento sei

que o olfacto é o sentido

que me faz lembrar

o passado com todos

presentes.

 

Tens que acreditar apenas na metade do que vês e ouves…

Tens que acreditar apenas na metade do que vês e ouves... exceto nas noites quentes de primavera num parque.

2088

Este é o ano de 2088. Há coisa de 20 anos, o mundo mudou. As razões porque mudou não se sabe bem ao certo, nem nunca se saberá. A mudança foi tão radical que praticamente toda a água se evaporou e desapareceu.

Parece um filme de ficção científica já tantas vezes repetido. Uma história que tantos previram já. Daria um bom romance ou um grande filme.

Alentejo ao luar

Os dias mais limpos

vislumbram a Lua

bem antes do Sol

se pôr. A forma estreita

da rua por onde vou

não tem nexo; e só

neste instante percebo,

que o ter ou não ter nexo,

é um mero vício citadino.

 

É apenas aqui,

nesta aldeia do Alentejo,

que quando olho para cima

vejo o que existe para lá

daquilo que já conhecia.

Enquanto houver luar,

haverá claridade

para iluminar as ruelas

que me conduzem

até ao largo da igreja.

 

Pelo caminho,

A longa história de uma centopeia

Centelha era uma centopeia. Chamavam-lhe assim vá-se-lá saber porquê. Mas era uma centopeia boazinha que mexia cinquenta pés de uma vez e os outros cinquenta de outra vez. Claro que intercalados, ou dava mau resultado e a centopeia cairia e não se conseguia mexer.

As palavras

Em início de ano e em jeito de conclusão do ano que terminou, interrompendo as falas dos animais e as longas histórias a que já me acostumaram e vos acostumaram, achei proveitoso fazer um momento de reflexão. E essa reflexão passa pelas ideias, pelos sentimentos, pelas sensações, pelas imagens e, concretizando-se, pelas palavras que escrevo e sempre partilho convosco. Há quase seis anos que partilho palavras semanalmente. São neste momento 298 artigos... 298 semanas com ideias novas, com temas tão diferentes quanto semelhantes, tão complexos quanto singelos, tão inovadores como banais.

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