9 Janeiro 2021      15:59

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A longa história de uma centopeia

Centelha era uma centopeia. Chamavam-lhe assim vá-se-lá saber porquê. Mas era uma centopeia boazinha que mexia cinquenta pés de uma vez e os outros cinquenta de outra vez. Claro que intercalados, ou dava mau resultado e a centopeia cairia e não se conseguia mexer.

No entanto, todavia e contudo, Centelha tinha um sonho enorme na sua vida de ser réptil e rastejante. Aspirar a mais alto. Voar não podia porque não tinha asas... conduzir um Porsche ou um Maserati ou um Ferrari também não porque para tirar a carta de condução tinha de ser em Beja com os engenheiros que eram examinadores e vá-se lá saber porque é que toda a gente os trata por engenheiros... mas isso são outros contos. Hoje, falamos de Centelha... que tinha uma centena de sonhos.

E, confesso-vos que a conheci e, por isso mesmo escrevo esta crónica. Centelha não queria fazer uso das suas capacidades andantes, pedonais, digamos assim. Ela queria cantar! Ser uma artista de fado.

Como todos sabemos, centopeias e fadistas não são sinónimo de consonância. Mas, como todos sabemos também, há um dia em que as coisas se alteram e nas mãos de um grilo como eu, há um mundo que pula e avança. Diriam os poetas, diria eu...

Quem poderia e poderá negar o sonho a uma centopeia de cantar o fado? Podia, claro, fazer o sapateado e ser feliz! Cem vezes feliz!!!

Não era. O criador tinha-lhe dado patas... muitas. Não lhe tinha dado voz.

Centelha sabia que não queria ser mais uma centopeia. Entrar no ballet de sapateado não era para si. Eu bem a entendo! Sendo eu grilo e vivendo numa toca, amedrontado de encontrar uma centopeia... penso que cem pés fazem a diferença. Eu tenho muito menos, mas tenho voz. Não se deixem iludir pelo meu cri cri! Somos todos muito mais do que as imagens transparecem de nós.

Ora bem, num encontro em Albernoa, promovido pelas redes sociais dos rastejantes e insectos, e são tantas... encontramos um ponto de convergência! Ambos tínhamos talento... eu, grilo, sapateava melhor do que a Centelha e ela, por incrível que pareça, cantava melhor do que eu!

Decidimos de imediato concorrer ao the Voice Umderground ou rastejante... e lá fomos... um grilo a fazer de Fred Astaire e uma

Centopeia melhor que Maria Callas! Escusado que será dizer que arrumámos as rãs a cantar a despique, os corvos a heavy metal e o

Rouxinol faduncho!

 

Foi um dia bom!

E o prémio foi um par de patins para ambos...

A centelha precisou de mais do

Que eu...

Mas tirando isso, cantava muito bem!