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literatura

As palavras

Em início de ano e em jeito de conclusão do ano que terminou, interrompendo as falas dos animais e as longas histórias a que já me acostumaram e vos acostumaram, achei proveitoso fazer um momento de reflexão. E essa reflexão passa pelas ideias, pelos sentimentos, pelas sensações, pelas imagens e, concretizando-se, pelas palavras que escrevo e sempre partilho convosco. Há quase seis anos que partilho palavras semanalmente. São neste momento 298 artigos... 298 semanas com ideias novas, com temas tão diferentes quanto semelhantes, tão complexos quanto singelos, tão inovadores como banais.

Talvez eu devesse comprar um espelho novo na Amazon

Espelho (E) Cara feia, dormiste mal?

Giuseppe (G) Dormi pouco. Ontem à noite, queria terminar de reler “Leão, o Africano”, e apaguei a luz às 3h. Mas valeu a pena: é um romance que se baseia em cuidadosa pesquisa histórica e é escrito de maneira encantadora. Lembra-me as “Memórias de Adriano”, da Yourcenar.

(E) Lês livros antigos e relê-los também! Talvez tu os compres na Amazon e te sintas culpado por contribuir para os lucros de Jeff Bezos e para a ruína das livrarias.

A ovelha que falava línguas

Há muitos, muitos, mas mesmo muitos anos, viveu uma ovelha nas serranias do Caldeirão, ainda no concelho de Almodôvar.

A cobra que sonhava ter pernas

Nascida nos desertos de África, Malandrinha, era uma cobra grande e vistosa. Era um réptil cheia de características boas, coisa que a diferenciava de todas as outras cobras.

No deserto onde vivia, as cobras que faziam parte do seu habitat natural todas tinham péssima reputação e eram todas muito más.

Mesmo entre si abundava a maldade e tentavam todas prejudicar-se umas às outras.

Se fossem todas postas dentro de um saco ou dentro de um balde, talvez não saísse de lá nenhuma viva, pois certamente se teriam aniquilado todas, uma a uma.

Banco de jardim

São espaços fechados com correntes de ar,

Todos os jardins que aqui frequento.

Há sempre um banco, — o meu lugar,

Que faz esquecer todos os jardins sem assento.

Árvores, plantas, o verde; — ó asas triunfantes!

Levantam o chão, beijam o céu, por instantes.

O céu é o lugar mais infinito para pensar,

Mas eu prefiro ficar sentado no meu banco.

Para fora do infinito não há como raciocinar

E para fora deste banco tenho todo este flanco,

Desde aquela árvore (que calou para consentir),

A coletora de segredos

Respinga era um ser que, como o seu nome diz, não parava sossegada.

Respinga acordava por volta das cinco e meia da manhã e adormecia às 11:30 ou 23:30. Praticamente, nunca dormia. Respinga era uma pulga! Isso mesmo que ouviu, ou leu, Respinga, pulga de nascença, é a nossa personagem desta semana.

Nascida nas ovas das pernas, fruto de outra pulga, por acaso de uma ovelha, Respinga desde cedo se começou a diferenciar de todas as restantes irmãs.

Não há melhor lugar

Não há melhor lugar

senão aquele onde o tempo

caminha sem nunca chegar,

O último voo da poupa

A poupa poupava muito dinheiro em viajar de autocarro. Mesmo em longas distâncias, preferia o transporte mais barato. Não tinha nada a ver com o seu nome, embora, claro, se é poupa, poupa.

Tinha mesmo de poupar esta poupa pois tinha um ninho cheio de ovos e uma prole tão mais numerosa quanto o número de ovos que tinha no ninho.

Embora poupada, havia sempre despesas que levavam a que a pobre gastasse dinheiro. Não me vou referir à forma escatológica como construíra o seu ninho.

A fuga do peru

Dia 26 de novembro do corrente, antecipando a grande festividade do dia do peru nos Estados Unidos, Macário, um peru grande e encorpado que vivia no meio desse país, antecipou um acontecimento que o deixaria em sérios problemas, se não, questão de vida ou de morte. Neste caso sabemos que seria mais de morte.

Há uma tradição aqui deste lado do Atlântico de sacrificar um animal que será barbaramente degustado por um número enorme de comensais. Trata-se do Dia de Ação de Graças. Quem não acha muita graça são os perus. Neste caso Macário não achava mesmo piada nenhuma.

O elefante que conhecia tudo

Seu nome próprio era elefante embora os amigos se dirigissem a ele como ele. Vivia em África e nunca tinha vindo ao Alentejo. Podia até já ter vindo mas não era o caso.

A família era numerosa. Havia elefantes grande e havia elefantes pequenos. Havia primos e tios e afilhados e coisa que tal.

Elefante tinha uma vida cheia. Já tinha vivido muito e nunca se esquecia de nada. Daí terá surgido uma famosa expressão de memória de elefante. Era mesmo assim este ele.

Nem doente, nos seus últimos dias, se esquecia de nada.

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