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literatura

O flamingo

Era azul! A cor não é a certa, mas ele era azul como o céu e como o mar. Chamava-se Flamingo. Trabalhava na empresa de construção porque era, como se diz na América, um blue collar worker.

As oliveiras e o tempo

As oliveiras falam através do tempo.

Não é por isso que as invejo;

é, sim, por terem passado

por tanto ou tão pouco,

sem nunca moverem raízes.

 

Escuto-as

sem pressa de abalar.

 

Ramos milenares sustentam

os mais atrevidos pássaros cantantes;

A mando de quem vieram

para me agoirar?

 

Nesse instante

o tempo faz-se.

 

Percebo que tudo é parte da melodia.

Os pássaros, as galinhas, os perus,

os cães, os porcos, os leitões, as ovelhas,

nós e tu.

 

Mar meu

Pouso o meu pé com a maior delicadeza do mundo e sou coberta pela areia mais fina que já estivera em contacto.

Fecho os olhos.

Inspiro.

Cheira a novo. Cheira a mar.

Abraço o cheiro e com todo o cuidado do mundo, vou abrindo os olhos. Eles sorriem secretamente. É o nosso segredo.

O meu coração que outrora batia furiosamente contra mim, começa a criar uma sinfonia com a minha respiração.

Sem perceber, a minha pele é cumprimentada por lágrimas ácidas que não sabia que existiam. Estou sozinha. Sempre estivera.

As pupilas da senhora Coruja

A senhora Coruja era professora numa escola do meio da floresta. Era uma senhora professora de um tempo em que as escolas e a educação era muito diferente daquilo que é hoje. Um tempo passado que já não existe e não voltará. A evolução da realidade criou barreiras que levam a que esse tempo não regresse nos mesmos moldes. Nem os manuais de ensino existem como existiram, na disposição dos conteúdos e nas mensagens transmitidas em palimpsesto.

Na aldeia, a professora era a figura mais respeitada. Ela e o médico, mas nesta aldeia o médico não existia. Só na vila mais próxima.

O Leão que só gostava da cor verde

Era uma vez um leão, grande e forte, que rugia mais alto que ninguém é que dominava a selva onde vivia. Este leão, não era o único. Vivia harmoniosamente entre tigres, águias, hienas e dragões. A harmonia entre eles era tal que todos os fins de semana partilhavam jogos de futebol. Ninguém se chateava. Jogavam intensamente mas dentro e fora de campo era um fair-play impressionante.

Como do outro lado do espelho, se rendeu ao seu complexo destino de inventor de pesadelos.

O quarto é o do meu consultório no hospital. Estou diante de um distinto cavalheiro, fato e gravata, cabelos e bigodes brancos, óculos redondos erguidos sobre a testa, na mão um cachimbo e um maço de papéis. Ele senta-se no meu Poäng.

(Ele) - Gosto deste lugar, com os gerânios na janela, e a poltrona é muito confortável. Sei que podem surgir muitas ideias, como as que publica neste jornal português. Viajei muito, li alguns livros daquele grande português entusiasta dos sonhos que escreveu:

O reencontro

Todos os dias à mesma hora, durante anos, encontravam-se às escondidas num beco insuspeito. Viviam ambas na cidade mais populosa do mundo e sempre ali tinham vivido.

Durante todos esses anos em que se encontravam, pontualmente, à mesma hora naquele lugar, sabiam que a vida é etérea e tantas vezes incerta e fugaz. Essa consciência levava-os a manterem esse ritual. O encontro diário era importante. Nunca durava mais do que 15 a 20 minutos, mas era intenso, de partilha, de segredo.

O Grande Lago

Neste lago de infinitas polegadas

peço explicações a todas as minhas

reflexões.

 

Foi por escutá-lo que entendi

as suas ondas ténues falantes,

formadas de gota em gota,

tal como humanos se formam

de palavra em palavra:

 

— Somos um espelho;

reflectimos nos outros

o que reflectem em nós.

 

 

O raspelho

Ninguém o conhecia. Ninguém sabia quem era. De facto, é complicado começar uma fábula com o pronome indefinido ninguém. Este, por muita pena minha e tristeza, alguma, começava assim. O raspelho nunca tinha sido ninguém importante, nunca tinha feito um feito que aparecesse na televisão… o raspelho era uma pessoa discreta, que não gostava de ser capa de revista, alguém que não pensava nunca ser parte de algo maior. Era o raspelho que passava os dias no meio da terra e da palha e isso bastava-lhe.

A formiga e a linha do comboio

Era uma vez uma formiga que se chamava Miga. Era uma formiga forte e trabalhadora que não parava. Todos os dias trabalha, de manhã à noite. Mal o sol nascia já a Formiga Miga estava a trabalhar. O Sol punha-se e a Formiga Miga ainda estava a trabalhar. Era incansável.

Miga trabalhava na construção. Durante muitos anos tinha trabalhado na agricultura mas de um dia para o outro passou a trabalhar na construção, mas sempre ao ar livre. Miga trabalhava na construção dos caminhos de ferro do Alentejo.

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