Há dias em que a pequenez dos nossos “problemas caseiros” atinge dimensões gigantescas.
Já lá vão mais de 20 anos que, por aqui, se falam da existência de ouro na vila do Escoural, mais precisamente na Serra de Monfurado.
Com pouco mais de 1000 habitantes, é aqui que se situa a Serra de Monfurado dividindo este concelho do concelho de Évora. Esta pequena elevação com cerca de 440 metros de altitude é um nicho ecológico que se encontra em perigo. Possui uma vasta área de montado (sobreiros e azinheiras) e uma fauna riquíssima (lontras, gatos-bravos, 3 espécies de morcegos, cágado listrado, rato de cabrera...) e onde há poucos anos era garantida a existência de linces.
Mesmo estando inserida na Rede Natura 2000, a Serra de Monfurado começou a ser destruída. Não há Rede Natura que a proteja.
A empresa canadiana Colt Resoures, aliada à portuguesa Teixeira Duarte, iniciaram a prospeção de ouro. A paisagem bucólica começa a rapidamente a ser destruída com a desflorestação e a abertura de minas a céu aberto. Mas esta atividade foi autorizada.
Em 2013 a Agência Portuguesa do Ambiente, o Instituto de Conservação da Natureza, o Laboratório Nacional de Geologia e Energia e a Direção Geral do Património Cultural, deram um " parecer favorável condicionado" para a exploração do ouro. (siaia.apambiente.pt, processo 2620).
Estando o trabalho de campo suspenso, desde de 2014, recentemente voltou a falar-se no reinício da atividade, pois já foi dada o aval positivo da câmara de Montemor-o-Novo e levantadas algumas “duvidas relacionadas com o impacto ambiental", por parte da câmara de Évora.
Dúvidas?
Este caminho persistente no sentido da mudança, faz-me refletir sobre esta realidade. Se estiver a ser esquizóide, passem à frente, mas o problema começa a bater-me à porta.
Como podem existir dúvidas quando está prevista a contaminação dos lençóis de água com arsénio e chumbo; como podem existir duvidas quando o montado é destruído; quando está em risco a continuidade de algumas espécies...
Também o ruído, as vibrações e a constante poeira levantada pelo vaivém dos camiões fará parte do dia-a-dia destas populações.
O património histórico pode, também, estar em risco. A proximidade das minas com as Grutas do Escoural pode causar danos irreparáveis a este monumento paleolítico, rico em pinturas rupestres.
Mas as populações residentes não estão preocupadas. É voz corrente ouvir-se dizer que a vila nunca esteve tão bem. Os homens vão ter trabalho (a empresas garante cerca de 100 postos de trabalho diretos), os cafés vão ter clientes e a vila fica com mais vida. Também à junta de freguesia esta prospeção agrada. As perspetivas de crescimento e o aumento de movimento são encaradas como uma mais-valia.
Com apenas 10 anos de vida útil, a exploração mineira, deixará uma destruição irreparável. Com uma extração prevista de 2g de ouro por tonelada, serão maiores os prejuízos do que os benefícios.
Esta desvalorização da dimensão temporal vai relativizando a dimensão dos danos. Serão benefícios demasiado limitados para perdas definitivas.
A realidade é só uma. Não existem leituras plurais nem questionamentos sem respostas. Não há ideias possíveis de serem cotejadas.
Esta espécie de vida outra que nos propõem vivermos será, com toda a certeza, menos saudável, menos respeitável e menos credível.
A economia da competição continua a permitir que continuemos a viver em ambivalência mas a considerarmo-nos racionais
Como ninguém pensa sozinho e como a escrita é uma forma de perspetivar o pensamento, decidi partilhar esta minha angústia. Esta economia de texto fará com que a sua pertinência seja a pertinência da coisa escrita.
A legitimação desta destruição fará com que esta pequena fatia do futuro nunca chegue a sê-lo.
Imagem de capa de visitalentejo.pt