29 Junho 2024      12:13

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Papelaria

Abriu dia 29 de junho de 1967, um sábado. Não foi a abertura oficial, mas um primeiro lamiré para alguns convidados. Podem os desconfiados ir confirmar a veracidade da data, (riso), confirmei e, mesmo não estando presente, o calendário assim ditou a data numérica e o dia de semana.

Seria a primeira papelaria naquela vila. Até aí tudo tinha sido vendido na mercearia do Ti Manel. Desde latas de sardinha, até aos melhores pêros de Monchique, passando pelas alfaces, pelos tomates que no verão começam a aparecer, daqueles de coração de boi, até a grelhas para assar peixe, e, num recanto, uns cadernos e umas canetas Bic polígrafo, e uns lápis de carvão. Não se vendiam muito, pois também não eram muitos os jovens que frequentavam a escola primária, muito menos aqueles que chegavam ao secundário, ou mesmo à preparatória ou a terceiro ciclo. Nesses dias bastava o exame da quarta classe.

O Ti Manel não se deixou abalar nem ficou melindrado, ao contrário de muitos que poderiam ver a concorrência como algo negativo. O Ti Manel não se importava. Era a única mercearia que vendia tudo na vila e sabia que a clientela não resistia ao cheiro a café moído. Alguma vez a papelaria nova teria a capacidade de competir com esse atrativo aos transeuntes, poucos, das também pouco movimentadas ruas da vila.

Abriu num sábado, sob a supervisão do dono Casimiro e da sua esposa, a papelaria iria vender todo o tipo de material de escritório. Resmas de folhas de papel, cadernos quadriculados, cadernos pautados, A3, canetas bic, lápis azuis que se usavam muito na altura, guache, canetas de tinta permanente, frascos de tinta, e tudo o que ainda hoje se poderia vender numa papelaria. Bem, aqui limita-se o stock à tecnologia da altura.

Algo realmente inovador que tinham eram mesmo os jornais e as revistas que lá se vendiam e que nunca tinham tido lugar na mercearia do Ti Manel. Não sou dessa altura, mas ouvi dizer que se vendiam exemplares do Jornal de Notícias, do Século, da Capital, do Diário de Notícias e tantas outras revistas, cujo nome agora não me recordo, mas que passavam, pelo crivo do lápis azul que também se lá vendia e só alguns usavam.

O certo é que a papelaria foi um sucesso. A partir de determinada altura as coisas mudaram e a sede abriu filiais em vilas, freguesias e aldeias vizinhas. E de uma papelaria se construiu um império de papel. Se fosse aqui nos Estados Unidos, o papel seria verde.