25 Fevereiro 2023      18:47

Está aqui

Os professores

Para lá da espuma das manifestações e das análises (propositadamente) enviesadas

O momento que estamos a viver, ao contrário do que muitos, agora chegados a estas andanças, têm tentado fazer crer, não é único. É apenas diferente e tem, em razão dos novos tempos, um mediatismo muito maior, o qual, diga-se em abono da verdade, tem muito de bom, mas tem igualmente muitos aspetos menos positivos, por vezes altamente penalizadores.
Os professores lutam desde sempre! (sei-o por experiência própria há 37 anos).

Lutaram, lutam e continuarão a lutar essencialmente por duas razões: pela melhoria da Escola Pública e pela dignificação da sua profissão.
E têm-no feito sempre com esses desígnios em mente, independentemente dos governos que nos têm desgovernado e de quem, de há tantos anos esta parte tem contribuído para denegrir da imagem da Educação em Portugal e para a desvalorização classe docente.

O que nos trouxe até à agitação destes dias, marcados por uma notável agregação e por uma tão grande adesão, não foi o suposto “umbiguismo”, nem a defesa egoísta dos nossos interesses, que tantos “pseudo opinadores” se têm esforçado por propagandear, papagueando inusitadas ideias, timbradas por um claro desconhecimento, aliadas ao acinte próprio de que sem realiza a fingir informar, transformando repetidas mentiras em supostas verdades.
É preciso que se diga que quando os professores lutam pela melhoria da Escola Pública e pela dignificação da sua classe, fazem-no obviamente na defesa dos seus alunos, na defesa de todos os que, de uma ou de outra forma tornam possível a vida quotidiana nas escolas, na defesa das famílias e, em última instância, na defesa de Portugal e dos valores democráticos onde a Escola Pública tem tido, e não pode deixar de ter, um papel fundamental. Embora saibamos que, não raras vezes, muitos dos nossos governantes (de todos os quadrantes políticos) adorariam castrar a capacidade intelectual e o livre exercício de pensamento que a Escola tem ajudado a construir. Talvez desse mais jeito a ignorância!

A atual luta dos professores resulta portanto, não apenas das revindicações agora mais referidas mas de um rol de anos a fio de desrespeito e desvalorização da nosso trabalho que não se confinam, nem de perto nem de longe, à justeza das questões relacionadas com a recuperação integral do tempo de serviço ou com a supressão das quotas de acesso aos 5º e 7º escalões da carreira docente. (ainda para mais sabendo-se que em relação a estas duas questões há duas realidades no nosso país).

De há muito tempo esta parte temos sido uma classe maltratada e vilipendiada em muitas outras questões. E ainda assim temos desenvolvido competentemente o nosso trabalho, apesar
das constantes reformas e mudanças ao nível curricular (onde os alunos são ainda os mais prejudicados);
da evidente e comprovada degradação dos espaços escolares e das condições de trabalho;
da infinita e sufocante burocratização de todo o sistema (que muitas vezes nos faz sentir mais administrativos do que professores);
da acentuada conceção da escola depósito (onde mais que a qualidade do tempo que se está na escola se valoriza a quantidade do mesmo, não importando como se está na escola);
do claro défice democrático que se tem vindo a instalar gradualmente nas nossas escolas;
da criação de um modelo de avaliação docente totalmente desajustado, que vive à custa do trabalho não remunerado de outros docentes, que se deslocam para outras escolas nos seus carros, abandonando nesses dias as suas escolas e os seus alunos, etc, etc.

Mas este momento eclodiu também da nossa perceção de injustiça perante a enorme relutância sentida em relação às nossas reivindicações, quando dia após dia são conhecidos casos e casinhos onde crassa a corrupção e onde se desperdiçam recursos e milhões leviana e descontroladamente.

Ainda na semana passada, a propósito de uma dessas situações comprometedoras, se ouvia um governante da nossa praça referir que o “Estado é uma pessoa de bem”. De facto assim devia ser. Mas se é, pergunto como é que este estado, apesar de todas as recomendações, tem mantido professores contratados durante décadas, à revelia de todas as normas e direitos. Os professores têm sido, literalmente, “carne para canhão”.

Como é que o “Estado Pessoa de Bem” vem agora em jeito de alarde exibir a bandeira de vincular dez mil ou mais professores? O que, sejamos francos, só irá acontecer (se acontecer) porque há uma enorme falta de professores. Mas estará essa “Pessoa de Bem” a pensar reconhecer a esses docentes os anos todos que já trabalharam (sabe-se lá onde e em que condições), colocando-os no lugar a que verdadeiramente teriam direito? Não! Nem pensar!

Estará, essa mesma bondosa pessoa, disposta a reconhecer a formação académica (paga pelos próprios) que muitos destes docentes contratados adquiriram ao longo dos anos. Não! Isso já era demais.
Para que fique claro, o “Estado Pessoa de Bem” não existe, nem nunca existiu para a Educação, como não existe para outras áreas e profissionais. Se essa douta entidade existisse teria que se lembrar inexorável e indistintamente da Educação, da Saúde, da Justiça, da Segurança…
O que vemos em Portugal não é isso!

É para que o Estado um dia consiga ser essa Pessoa de Bem que os professores lutam e continuarão a lutar! Porque as pessoas bem cumprem, reconhecem e valorizam. Não mentem, não usurpam das suas funções, não chantageiam, nem ameaçam.

---------------------------------------------------

António Rocha Pereira é professor do 1º ciclo e coordenador da Escola Básica do Biarro do Frei Aleixo em Évora. É licenciado no Curso de Estudos Superiores Especializados em Desenvolvimento Pessoal e Social da Universidade de Évora e Mestre em Ciências da Educação, Especialização em Supervisão Pedagógica também pela Universidade de Évora. É ainda professor cooperante e orientador dos estágios de Mestrado do Curso de Ensino Básico da Universidade de Évora, avaliador externo e autor de livros de apoio ao estudo e paraescolar.