18 Janeiro 2018      15:36

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E TUDO O ALQUEVA LEVOU

Vivo no Interior do país. Aquele mal-afamado Interior que teima em ser notícia, na grande maioria das vezes, pelas piores razões. Depois ouvimos de atores políticos, a todo o momento, discussões em torno deste tema, quer seja sobre as assimetrias a nível do desenvolvimento económico, quer seja sobre o índice de envelhecimento da população ou mesmo devido à escassez de emprego jovem. Mas resoluções? Até agora, manifestamente insuficientes.

Verdade seja dita que os tópicos parecem não faltar na agenda de debate sobre a Interioridade como se de um fatalismo ou um tumor maligno se tratasse, e depois penso o que um cidadão brasileiro diria, quando falamos de Interior em Portugal. Ou seja, quando falamos de territórios que ficam muitas vezes a menos de uma hora de distância da Capital do país, isto porque, a título de exemplo, de Brasília ao Rio de Janeiro, é preciso beber umas xícaras de café para aguentar as mais de quinze horas de viagem.

Enfim, orgulhoso de viver onde vivo, mas com a dignidade de saber que a realidade do contexto socioeconómico pouco interessa, frequentemente, a quem manda desde o centro cosmopolita.

Conquanto, evitando cair nas generalidades, tentarei com esta rúbrica repassar um investimento realizado no meu Alentejo que é bem conhecido de todos – a Barragem de Alqueva. Moroso na sua concretização, mas, ainda assim, o maior lago artificial da Europa, o Alqueva veio “mitologicamente” espalhar a mensagem de que as possibilidades seriam infinitas no respetivo desenvolvimento agrícola, turístico e regional do território.

A pequenos passos, pode-se afirmar que valeu a espera. Mudou a paisagem, mudaram as práticas agrícolas e mudou a forma como se veem as potencialidades e capacidade instalada no território. Hoje, de um lado, através do regadio, temos uma agricultura plenamente diversificada nas suas culturas, com recursos humanos especializados, eficiente tecnologicamente e virada para as exportações.

De outro lado há o turismo, onde também se vai sentido algum impacto, longe da saturação, mas, consistentemente, assiste-se à formação concreta de um produto turístico com benefícios específicos, capaz de atrair perfis muito distintos, seja via das recéns concretizadas praias fluviais que se vão formando, pelos vinhos e gastronomia ou, ainda, pelo touring patrimonial e cultural.

Mas, ao que parece, vêm aí “gritantes” boas novas no que toca ao maior lago artificial da Europa, pelo menos para alguns... Segundo notícias que foram avançadas no final do ano passado, está prevista a ampliação do Alqueva já para 2018, de forma a regar aproximadamente mais 50 mil hectares distribuídos entre Beja, Évora e Setúbal.

De acordo com a informação proferida pelo Ministro da Agricultura, Florestas e do Desenvolvimento Rural, um conterrâneo nosso, este projeto vai implicar um investimento global de 500 milhões de euros para requalificar regadios obsoletos ou construir novos regadios o que permitirá, por sua vez, beneficiar uma área total de 90 mil hectares.

Declaro, no entanto, com muita insatisfação pessoal, que uma determinada terra pareça ser novamente esquecida relativamente a este processo de ampliação que está previsto ter inicio já este ano. Essa terra, para a qual o Alqueva era, em teoria, uma grande oportunidade, vê-se hoje numa situação em que perdeu, efetivamente, mais do que ganhou, ainda que em prol de um bem maior, sejamos razoáveis.

Conquanto, e bem lá no fundo, uma coisa é certa para aqueles que pertencem à “terra” referida atrás, na qual eu me incluo: já ninguém nos devolve a área útil, nem a indústria que perdemos, e ninguém apaga o processo de refundação da nova Aldeia da Luz, o qual teve um gigantesco impacto emocional nos seus habitantes.

Ao denunciar a Aldeia em questão, estou certo que o leitor já se consegue situar geograficamente em relação àquela que parece ser a terra discriminada e esquecida por grande parte dos governos centrais e se arriscou Mourão, então pensou de forma correta.

Não me conformo que sejam construídos através do investimento de ampliação os blocos de rega de Lucefécit/Capelins, no concelho de Alandroal, de Évora, Reguengos de Monsaraz e de Monsaraz, assim como de Viana do Alentejo. Não me conformo porque uma vez mais, o concelho mouranense, vai ser deixado ao abandono, sem ver contemplado o alargamento do perímetro de rega às freguesias de Mourão e Granja. Exige-se justiça a quem perdeu tanto e nunca foi realmente ressarcido de todas as promessas encetadas durante anos.

O tom é de indignação porque estamos a falar de justiça e equidade, estamos a falar de coesão e de direitos. Haja bom senso! Como se atrevem a falar de discriminação positiva para o Interior, quando um dos concelhos mais sacrificados é novamente vítima de discriminação, mas, infelizmente, pela negativa.

Sr. Ministro, quando falo em vítimas não pretendo introduzir uma narrativa que leve a que o centro cosmopolita venha exercer uma solidariedade comovente e constante a todos os munícipes, um pouco à semelhança daquilo que foi a vossa atuação no trágico Verão do ano passado. Não, nós queremos apenas justiça e aquilo a que assistimos chama-se iniquidade.

Pretende-se e exige-se que um Governo através da sua ação política, salvo raras exceções, conceda igual tratamento aos seus destinatários, quer sejam cidadãos, empresas ou autarquias. O que vejo aqui é inaceitável e indigno, mas espero que com a entrada do novo ano existam outras resoluções e que a palavra dada há muitos anos aos habitantes desta terra, seja devidamente honrada.

 

Imagem de capa de http://agriculturaemar.com