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LINHAS CRUZADAS

Os comboios são lagartas que deslizam em linhas de ferro. São lagartas às cores, cinzentas, vermelhas, azuis e amarelas. Nas linhas de ferro, frias e desumanizadas, os comboios deslizam suavemente como se fossem lagartas. Em carreiros como aqueles que as formigas fazem, deslocam-se de um lado par ao outro, cheios de gente lá dentro.

O MOLEIRO

Estive, no passado sábado, no aniversário de uma Escola (Antero de Figueiredo-Farmingville) que, durante a festa, professoras e alunos nos apresentaram profissões extintas ou em vias de extinção em Portugal.  Tive, aí, o enorme gosto de recordar antigas profissões que, algumas conheci, outras nem tanto, pela distância em que eram exercidas ou pela não existência desde que me conheço como pessoa.

UM FRASCO DE MEL

Margarida era uma abelha, uma abelha fofa e trabalhadora que tinha umas asinhas pequeninas e um ferrão afiado. Mas era fofinha e trabalhadora. As patas andavam constantemente cheias de pólen. Tinha uma cor de abelha normal, guerreira. Uma das milhares que constituíam o enxame das abelhinhas. A vida de Margarida, a abelha fofinha, era monótona, seguindo os nossos padrões. Não havia na ideia da abelha Margarida vontade mudar, mas a pobre abelhinha não conhecia mais nada.

DIA DE CHUVA

Chovia como quem na derramava. Era tanta a água que, deste lado do vidro, esvaziava os pensamentos enquanto os baldes se enchiam, lá fora, apanhando a água que os beirais retiam também. Os meus olhos fixavam-se num ponto que mudava constantemente e parecia que nada fazia sentido… as imagens não paravam de correr e o desconcerto era total. Não se admirem, pois, se as minhas imagens que veiculo neste texto, não façam sentido, elas também.

ÉS.

Não te julgues. Não te deves julgar. A cada passo, cada pensamento, a tua mente entope-se de ideias sem que tenham nexo algum ou que constituam em ti uma voracidade de te conheceres melhor. Não te queres conhecer. És. Existes aqui e agora, não te interessa o futuro e o passado, esse não o podes mudar.

GAMBOZINOS

Quando eu era novo, era caçador e pescador. Desportivo. Adorava caçar e ir à pesca. Nada me dava tanto prazer como perder-me pelos campos e nos ribeiros e rios com os amigos, à caça e à pesca. Nos campos perto de casa e mais longe, a muitos quilómetros de distância, partíamos em carrinhas cheias de gente. Grandes grupos de amigos que se juntavam aos fins-de-semana para umas boas caçadas. Muito mais do que uma caçada ou pesca, era uma oportunidade de celebrar a amizade.

SANDES DE COURATOS OU A FEIRA

Bem me apetecia agora uma sandes de couratos. Dizia o homem para a mulher na carrinha Nissan de caixa aberta. Iam os quatro lá dentro. O homem, a mulher, o filho de 10 anos e a filha de oito. A mim o que me apetecia era uma fartura, com o açúcar e a canela em volta, ainda quentinha. Ai, aquele cheirinho que sai do carro das farturas. A mim, era mesmo um frango assado, mãe. Lá na roulotte do senhor António. Um frango, batatas fritas e uma salada, com um Sumol fresquinho. Ai, que saudades. Pai, nunca mais chegamos à feira? Dizia a mais nova da carrinha.

VERTIGENS

Andava em cima das ripas e dos andaimes como se fosse um bailarino. Andava tão alto nos andaimes e dançava ao som da música que o velho rádio tocava incessantemente desde as 8 da manhã, hora de pegar o trabalho, até às 5 da tarde, hora de largar o batente. Parecia um dançarino sem calças de licra. Tinha, no lugar das sabrinas de dança, botas de trabalho pingadas com restos de cimento e o pó da areia e do próprio cimento em si.

CICATRIZ

Caiu quando era pequenino. Andava brincando junto do monte, em cima de umas rochas e escorregou, bateu com a testa numa das pedras e fez um largo golpe, de onde o sangue começou a jorrar de imediato. O miúdo assustou-se e começou a chorar incessantemente, enquanto as lágrimas e o sangue se misturavam e desciam a sua pele de criança. As pestanas e a sobrancelha do lado esquerdo, onde a pedra fizera o corte estavam, todas elas ensanguentadas.

AS FIGUEIRAS DO BARLAVENTO

Antonieta deitou-se cedinho nesse dia. Mal o sol escapuliu atrás do monte e das azinheiras, comeu as sopas de pão junto com a família e pôs-se debaixo das mantas que, nessa altura do ano eram poucas pois os dias de calor já tinham chegado e não dava jeito nenhum dormir com mantas pesadas e quentes em cima, mais a camisa de dormir, num colchão de barbas de milho. Bem, com mais ou menos calor lá adormeceu tendo sempre na cabeça a manhã do dia a seguir.

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