18 Fevereiro 2017      09:24

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GAMBOZINOS

"PARALELO 39N"

Quando eu era novo, era caçador e pescador. Desportivo. Adorava caçar e ir à pesca. Nada me dava tanto prazer como perder-me pelos campos e nos ribeiros e rios com os amigos, à caça e à pesca. Nos campos perto de casa e mais longe, a muitos quilómetros de distância, partíamos em carrinhas cheias de gente. Grandes grupos de amigos que se juntavam aos fins-de-semana para umas boas caçadas. Muito mais do que uma caçada ou pesca, era uma oportunidade de celebrar a amizade.

Normalmente não caçávamos grande coisa. Raro era o fim-de-semana em que podíamos fazer um petisco com a caça. Acabávamos por ir à peixaria e comprávamos dois ou três quilos de peixe de caldeirada e fazíamos uma caldeirada que dava para alimentar todos, muito mais do que a pescaria ou a caça. Nos dias de caça grossa, perigosa, levava arma adequada à perigosidade do animal. Levava igualmente roupa preparada para fazer face ao terreno acidentado. Vestido de camuflado e cara pintada, quico também camuflado e óculos de infravermelhos, estava pronto a conseguir cumprir os objetivos da caçada.

O nosso grande êxito em cada caçada e pescaria era apanhar o máximo de gambozinos, animais tão saborosos, uns grandes e outros pequenos. Era a ave mais bonita que já tinha visto. Mesmo à noite, a forma como se passeava, o seu andar elegante, o brilho das suas penas no escuro. Em tudo, um animal fascinante. Desde pequenino que me mandavam ir à sua caça. Nunca conseguira verdadeiramente apanhar nenhuns até me tornar caçador profissional e me dedicar em completo à caça desta espécie.

Não me bastaram nunca as codornizes, perdizes ou faisões. O meu objetivo tinha sido sempre a mais fina das aves e a mais difícil de encontrar. Os meus amigos, com quem caçava normalmente, não me queriam muitas vezes acompanhar na caça desta espécie em particular. Nunca percebi muito bem os motivos, mas respeitava a sua hesitação. Curiosamente, no final, era sempre eu que trazia mais caça. Certo era que nem sempre conseguia apanhar gambozinos, mas ia atrás deles e, embora falhando a sua caça, conseguia trazer outras aves. Quando isso não acontecia, passava num supermercado e comprava alguma caça ou uns frangos para me juntar ao grupo de caçadores que me faziam companhia.

Nos dias de pesca, lançava a cana e ficava algumas horas à espera de uma espécie que tinha o mesmo nome da ave, só que escrita com u – gambuzinos. Esses eram muito mais fáceis de pescar. Sabia como eram porque, em jovem, me tinham desenhado o animal e me tinham dito tantas vezes que tinham feito grandes pescarias dos mesmos. Invejava a sua dedicação. Eu tentava, acerrimamente, pescar esses mesmos. Nunca conseguia. Ficavam a olhar-me com olhar extremamente espantado quando chegava com um cesto cheio de peixe. Perguntavam-me, então, quantos gambuzinos apanhaste hoje? Eu, pessoalmente, com ar entristecido, dizia-lhes que nenhum mas tinha, porém, apanhado 15 quilos de outras espécies menores como achigãs, carpas, pargos e outros peixes de água doce.

O seu ar mudava, nunca percebi bem porque, mas ficavam depois mais descansados quando não era preciso ir comprar peixe de caldeirada e essa caldeirada era feita com peixes pescados por mim. O mesmo acontecia nos dias de caça.

Quando era novo, era pescador e caçador de gambuzinos e gambozinos. Os outros que sempre me mandavam ir apanhar, quando viam que nunca lhes conseguia satisfazer os pedidos mas lhes apresentava alternativas bastante válidas, deixaram de pedir. Hoje já não vou à pesca, nem à caça. A vida tornou-se mais chata e já não tenho tantos amigos. Agora, cada um que queira, que apanhe os seus próprios.

 

Imagem de caoquefuma.com