A análise geopolítica da Stratfor, do dia 10 de setembro, trata sobre a estratégia de Obama e dos Estados Unidos para combater o rápido e progressivo aumento de poder do Estado Islâmico no Iraque, em específico, e no Médio Oriente, no seu todo.
O presidente norte-americano Barack Obama confirmou esta semana o que vinha sendo especulado nos últimos tempos: a estratégia de combate ao Estado Islâmico.
O título do relatório abre logo indício sobre a fórmula a adotar: não ter tropas no terreno, ter conselheiros informados e os serviços de inteligência a funcionar em pleno.
Como era esperado, a ideia base dos EUA é a de liderar ofensivas massivas pelo ar no Iraque e estendê-las à Síria (a Alemanha entretanto já se afastou desta possibilidade), ameaçando as localizações das bolsas de guerrilheiros o Estado Islâmico nos vales dos rios, como um espaço único de batalha.
Sem salientar a importância dos serviços de inteligência e das forças especiais, Obama fez por assegurar ao público americano o seu compromisso em não enviar tropas para o terreno, apesar de ter um plano para parar os jihadistas islâmicos.
Para esta resposta ao ISIS (Estado Islâmico do Iraque e do Levante) os EUA requereram o apoio e assistência dos parceiros internacionais de modo a reduzir o seu peso (dos EUA) quer a nível militar, quer a nível do fardo político desta operação. Na cimeira da NATO, a 4 e 5 de setembro, Washington não conseguiu que a NATO interviesse contra o Estado Islâmico, mas conseguiu uma coligação de nove países para suportar a ofensiva: Reino Unido, França, Alemanha, Canadá, Austrália, Turquia, Itália, Polónia e Dinamarca. Na terça (9 de setembro), John Kerry, secretário de Estado norte-americano, revelou que existiria uma coligação de mais de 40 países que estaria a suportar as operações. Não é evidente ainda o grau de compromisso de cada país, mas meios aéreos adicionais, apoio logístico e apoio com as bases militares serão alguns dos tipos de apoio com que os EUA podem contar para alargar a ofensiva quer em volume, quer em área geográfica.
O discurso de Obama foi essencialmente um esforço para promover as relações públicas políticas, e só teve lugar porque os líderes iraquianos conseguiram criar um governo antes das eleições intermédias americanas, em novembro.
A maioria dos congressistas estão relutantes quanto a votar algo tão controverso, para mais tão próximos das eleições, contudo, muitos sentem-se à vontade para criticar o presidente Obama por não os ter consultado tanto quanto eles acham necessário. Claro é que Obama procurou matar vários coelhos de uma cajadada no seu discurso, mas, política interna à parte, a estratégia de Obama tem imperfeições inquestionáveis relacionadas com o modo como os EUA misturam objetivos políticos e militares contraditórios para a região.
A primeira e mais evidente contradição tem a ver com a combinação de atacar os alvos do Estado Islâmico pelo ar em lugar de um exército bem treinado e armado de rebeldes sírios no terreno, já para não falar que os Estados Unidos trabalharão com apoiantes iraquianos no Iraque e pró-sauditas na Síria.
À primeira vista, e do modo como Obama o expôs, isto faz perfeitamente sentido: os EUA não se comprometem com forças militares no terreno com o objetivo de envolver o próprio Estado Islâmico, fazendo alianças locais com forças sunitas de modo a reduzir e enfraquecer os guerrilheiros do Estado Islâmico no solo, enquanto os EUA atacam pelo ar.
A primeira e mais evidente contradição está relacionada com a combinação de ataque aos objetivos do Estado Islâmico pelo ar enquanto arma e treina rebeldes sírios no terreno, já para não falar que os EUA estarão a trabalhar com aliados iranianos no Iraque por um lado e forças pró-sauditas na Síria.
À medida que os EUA vão conseguindo progressos graduais no sentido de conseguir criar uma força de combate coerente no Iraque, através dos “peshmerga” (curdos armados), forças tribais sunitas e soldados do exército iraquiano, tenta em simultâneo fazer o mesmo na Síria. Mas esta tentativa tem um senão; só será levada a cabo na Síria se a mesma oferecer uma solução, uma saída limpa; caso contrário, não interessará o cuidado com que os EUA escolherão as tropas para treinar e armar na Síria, já que os guerrilheiros salafitas jihadistas são os únicos que dominam o campo de batalha e serão os mais capazes de derrotar os seus rivais do Estado Islâmico.
Também não existem garantias de que as bolsas de rebeldes moderados que se concentram em redor de Aleppo (segunda maior cidade síria, situada a norte) aplicarão as suas armas e conhecimentos para combater o Estado Islâmico, sobretudo quando a sua prioridade é acabar com o impasse no campo de batalha e ficar mais próximos do seu objetivo: derrubar Bashar al Assad.
Estes dados trazem a estratégia americana a uma outra contradição: como é que se apoiam os rebeldes sírios o suficiente para derrubar o Estado Islâmico, mas não tanto que promova um vazio de poder que poderá ser preenchido por radicais e destruir assim as relações (em restauro) com o Irão?
A administração norte-americana fará certamente todos os esforços para justificar a ofensiva aérea na Síria e refutar as queixas de que está a ajudar um ditador. O anúncio de que está a armar rebeldes sírios é só uma parte dessa equação e desse esforço. No entanto, armar e treinar rebeldes sunitas na Síria também pode desenvolver uma ameaça existencial para o regime sírio anti-Irão, algo que não será bem recebido no Irão, com o qual os EUA estão envolvidos em negociações para estabilizar uma longa relação de hostilidade.
Alguns dados da estratégia relações públicas vs. realidade serão visto nos próximos dias e semanas no campo de batalha. O objetivo definido para a Síria mostrará uma pista mais importante que os calmos e secretos procedimentos de coordenação irano-americana. Se as principais infraestruturas energéticas e de lançamento de mísseis terra-ar forem destruídas, e se se degradarem ambas as capacidades do regime sírio e os bens económicos do Estado Islâmico, o evidente vazio de entendimento entre o regime de Damasco e Washington terá consequências sérias e negativas nas negociações americanas com o Irão.
Por outro lado, se os EUA se focarem em atingir as concentrações do Estado Islâmico nos vales fluviais, de modo a cortas as linhas de abastecimento a Este, enquanto alarga a ofensiva iraquiana, o teatro kabuki (forma de teatro japonesa que implica um sentido de teatro de "vanguarda" ou teatro "bizarro") continuará, ou seja, o mesmo será dizer que a estabilização de relações com o Irão manter-se-á.
Obama’s Islamic State Strategy: Intel, Advisers and No Boots on the Ground é republicado com permissão da Stratfor; as imagens fazem parte do mesmo relatório. A tradução e pesquisa são da responsabilidade da redação do Tribuna Alentejo.