1 Janeiro 2021      13:03

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Pergunta para depois da festa: pode confiar-se no vinho?

A Sociedade Europeia de Cardiologia, num congresso em Barcelona, há uns anos, apresentou um sem-número de pesquisas sobre doenças cardíacas, mas houve uma que surpreendeu, que revelou que o consumo regular de vinho traz benefícios aparentes para a saúde.

Um artigo de James Hamblin, na revista The Atlantic, revela que, no passado, muitos estudos mostraram que consumidores de vinho têm o coração mais saudável que o dos abstémicos, mas o estudo atual, chamado “In Vino Veritas”, é um dos primeiros estudos a introduzir o vinho na vida normal das pessoas e a investigar os seus efeitos no corpo.

O projeto é liderado um cardiologista checo, Miloš Táborský, chefe do Departamento de Cardiologia no Hospital Universitário de Olomuc, na República Checa, que disse na apresentação do projeto “Descobrimos que o consumo moderado de vinho só era protetor do coração em pessoas que praticavam exercício. O tinto e o branco produzem os mesmos resultados.”

Durante um ano, as cobaias beberam quantidades moderadas de vinho cinco vezes por semana. Os homens entre 0,3 a 0,4 litros diários, cerca de dois copos de vinho. As mulheres beberam entre 0,2 e 0,3 litros diários, o equivalente a um copo diário. Metade das 146 pessoas objeto de estudo beberam “Pinot Noir” (tinto) e a restante metade “Chardonnay-pinot” (branco). Os consumidores registavam todo e qualquer consumo de álcool num diário, onde também assinalaram a dieta e a prática de exercício.

Por si só, beber vinho não tem influência a considerar no colesterol, na glucose do sangue, nos triglicéridos ou nos níveis dos marcadores inflamatórios como a proteína reativa C. Também não afeta o fígado, durante um ano pelo menos, segundo testes levados a cabo às funções do fígado dos alvos do estudo.

Mas Táborský e a sua equipa fizeram uma análise ainda mais específica às pessoas que praticavam exercício. Neste grupo, que praticava exercício uma a duas vezes por semana, e bebiam as quantidades referidas de vinho, notaram que houve uma melhoria considerável dos níveis de colesterol (aumento de HDL e diminuição de LDL), depois de um ano a beber vinho – branco ou tinto, o resultado é o mesmo.

“O nosso estudo demonstra que a combinação moderada de vinho e a prática regular de exercício melhoram os marcadores da aterosclerose” – disse o cardiologista checo – “levando-nos a acreditar que a combinação entre o consumo moderado de vinho e exercício regular é benéfico na prevenção de doenças cardiovasculares.”

Já em 1992, um estudo de Serge Renaud e Michel De Lorgeril correlacionaram aquilo a que chamaram de “Paradoxo Francês”: o moderado consumo de vinho pode proteger de doenças cardíacas através do “combate dos efeitos maléficos das gorduras saturadas.”

O “Paradoxo francês” alimentou o marketing da indústria vinícola e promoveu estudos que pretendiam validar os benefícios do vinho. O que mais marcou foi o que dizia que o consumo moderado de vinho está associado a melhorias de saúde, sobretudo na vertente cardíaca, incluindo uma diminuição de 17% em todas as causas de mortalidade. Mas, mesmo o consumo muito baixo de álcool tem o seu senão e os seus riscos, que englobam o cancro de esófago e peito. No universo das bebidas alcoólicas, e comprovado por vários estudos, o vinho parece ser mais benéfico que as outras bebidas, levando a crer que tal se devia ao efeito antioxidante das uvas.

No entanto, o vinho tinto utilizado no “In vino veritas” tinha mais antioxidantes que o branco – quase dez vezes mais polifenóis e seis vezes mais resveratrol e produziram resultados semelhantes nos alvos do estudo, o que deita por terra a teoria dos antioxidantes como, aliás, já tinha feito um estudo publicado no “Journal of the American Medical Association”, deste ano, e que dizia que o resveratrol não está a ajudar as pessoas.

“Pode existir alguma sinergia entre uma pequena dose de álcool etílico no vinho e a prática de exercício e que é benéfica na prevenção de doenças cardiovasculares.”- segundo Táborský. Concluiu a sua apresentação do estudo com o alerta que, e tendo em conta que só um terço da população do mundo consome álcool, o álcool está envolvido em 3,3 milhões de mortes todos os anos. Beber uma quantidade moderada de vinho é boa ideia, e o estudo é só mais uma gota na conflituosa pesquisa sobre vinho.

Curioso foi que, no final do estudo, os participantes tiveram que entregar as rolhas das garrafas para comprovar que beberam, efetivamente, o vinho e não o venderam.