4 Junho 2022      13:01

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O potencial assassino do fato azul escuro

Esta é uma história fatídica, quase verídica e intensamente polémica, apesar de curta. Tudo aconteceu num dia muito quente de verão; em que o próprio suor se confundia com a fadiga. Sendo a história fatídica, verídica e polémica como é, as coisas acontecem rápido e de forma eficaz. Claro que, com todo o calor, o crime não compensa.

Numa avenida ampla daquela cidade que todos sabemos o nome por ecoar no nosso ouvido todos os dias, as casas estavam esburacadas das balas certeiras que tinham modelado o betão e afugentado todos os seres vivos que por lá andavam.

Apenas as árvores continuavam a notar a presença do vento, ainda que estivessem elas também marcadas pela fúria das balas e pela passagem de quem as disparava.

Pelo chão, os resíduos dos cartuchos e das balas que tinham cumprido o seu maléfico propósito. Isto ter-se-ia passado uns dez anos antes. Era neste momento apenas mais uma memória num sítio abandonado.

Neste dia de calor, um homem passeava-se na rua deserta. Era o único, não passava despercebido a ninguém, mas também ninguém estava lá para o ver. Caminhou quase metade da avenida, deixando as gotas de suor escorrerem pelo rosto abaixo. Caminhou sozinho nessa avenida que não conhecia mais ninguém e que tinha as marcas do passado, sem qualquer ambição de voltar a ter futuro. A única presença que poderia dar alguma esperança era a do homem que percorrera já metade do caminho. O sol tapava-lhe a vista e nada mais vislumbrava a não ser uma intensa luz amarela.

Vindo dessa luz, uma bala que não se fez anunciar trespassou-lhe o peito, fazendo-o cair ao chão, inanimado e sem vida. No seu rosto cessaram as gotas de suor e na avenida cessou a ideia de futuro, restando somente o passado.

Metros adiante de onde jazia o homem, do lado ainda não percorrido, talvez uma miragem, ou realidade destorcida, parecia passar um homem de fato azul escuro que se escondia e desaparecia veloz como a própria bala. Perante a ausência de pessoas, talvez tenha sido o homem de fato azul escuro, talvez. Porém, como nunca ninguém saberá, porque ninguém mais existe, ficará sempre como o potencial assassino.