5 Novembro 2017      06:11

Está aqui

O DIA EM QUE ACABOU O FACEBOOK

Naquele dia, uma sexta-feira treze, dia de azar para muitos, o Ti António, homem octogenário mas todo moderno nestas coisas da internet, levantou-se cedinho e dirigiu-se ao computador portátil que estava em cima da mesa, ao lado da garrafa de vinho caseiro, do pão e do presunto que tinha sobrado da ceia do dia anterior.

Ti António bebeu um copo de água fresquinha, passou água pela cara e sentou-se na mesa, em frente ao portátil que os netos lhe tinham oferecido quando fez oitenta anos. Carregou no botão e ligou a máquina à espera daquilo mostrar uma janelinha e começar a funcionar. Assim foi. Aquilo, o computador, ligou-se e apareceu uma janelinha com a página que abria sempre em primeiro lugar. A do Facebook (o livro das caras), traduzindo em português. Estava expectante para saber quem teria posto gosto na sua última publicação ou se o esperava alguma mensagem ou pedido de amizade. Recebia muitos de pessoas que não conhecia. Muitos deles eram de umas moças jeitosas que ficavam tão bem na fotografia que nunca se atreveria a pensar que aquilo era falso ou algum esquema. Até tinham boa conversa aquelas com quem ele falava. Mas chateava-se pois a conversa andava sempre à roda do mesmo. Estou muito sozinha e tal, és muito bonito. Bem, sozinho também ele estava com a sua Etelvina e não andava a queixar-se disso a desconhecidos.

Havia, depois aqueles que lhe ofereciam dinheiros e altas heranças de primos que tinham morrido na Nigéria. Ele pensava. Ficaria porventura contente se tivesse lá primos, como não tinha, não queria enganar ninguém e ficar com o dinheiro das outras pessoas. Era assim o Ti António.

Naquele dia, em vez de aparecer aquela página azul e branca, cheia de fotografias e de gostos e adoros, não apareceu nada. Aparecia só uma mensagem a dizer que não era possível carregar a página. Ti António lembrava-se das instruções dos netos e lá carregou mais umas vezes e nada. Era sempre a mesma coisa. Ora, pois, assim não vale a pena. Desligou o computador e saiu de casa, para ir à praça comprar peixe para o almoço. Meio quilo de carapaus e outro meio quilo de sardinhas. Tinha um carvão no alpendre, já posto no grelhador, pronto a assar uns pimentos, as sardinhas e os carapaus para o almoço do casal.

Mal pôs o pé na rua e aquilo começou a parecer tudo muito estranho. As pessoas estavam com ar abatido, como lhes tivessem tirado o brilho dos olhos. Parecia que lhes faltava alguma coisa que ninguém podia restituir. Estava tudo mal disposto. Disse bom dia a dois ou três, não tendo obtido resposta de volta. Esses estavam agarrados ao telefone, carregando vezes sem conta no botão de atualizar. E não aparecia nada.

A moça que estava sentada na paragem das camionetas ligava para a prima da Suiça e perguntava-lhe o que se passava com o Facebook. A prima da Suiça respondia que não tinha também. O moço que estava ao lado falava por mensagem com o tio na América e nem lá havia Facebook.

Avançou. Na praça era o tema do dia. Até as notícias da televisão todas falavam nisso. Ti António não se apercebera porque não tinha ligado a televisão nesse dia. Mas havia uma explicação certamente. Havia. E a explicação era que o facebook tinha acabado. De repente, todos os conteúdos e todos os utilizadores deixaram de ter perfis, emoções, amigos, grupos, cronologias. E tudo mudou.

Não me é possível descrever o olhar de cada e a confusão, a falta de rumo. Todos estavam perdidos. Ninguém sabia o que fazer e como reagir. O mundo acabou, diziam os mais exagerados. Questões e perguntas, indecisões e receios surgiam de todo o lado. A rede social desaparecera ameaçando abalar a sociedade em si. Estava tudo abalado. Tudo menos o Ti António que passava bem sem aquilo, ou pelo menos era o que dizia.

Era preciso reaprender a andar, a começar de novo sem emoções. Era obrigatório pensar numa alternativa, fosse lá o que fosse. Os mais otimistas diziam que aquilo havia de voltar a funcionar, outros que apareceria algo parecido e novo. Já tinha sido assim antes. Nada dura para sempre. E o Ti António pensava no carvão e nas sardinhas e nos carapaus e no pimento assado na salada de tomate. Etelvina ignorava tudo o que se passava.

Mais tarde, em frente à televisão todo um mundo perdido, desnorteado e sem publicar nada, um comunicado lá do dono daquilo. Hoje, sexta-feira treze, perdemos todos os dados da nossa rede social, não sendo possível recuperá-los. Estamos a trabalhar mas tememos o pior. Aguardem. Obrigado.

Ainda hoje, cinco anos depois, agora no futuro, estão à espera. Ninguém acredita ainda que naquele dia acabou o facebook, mas não conseguem partilhar. Hoje, o Ti António vai voltar a fazer sardinhas, carapaus e pimentos assados na grelha.

Imagem de imgflip.com