11 Agosto 2017      22:28

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A MOSCA SONHADORA

Na pequena localidade da Azinheira de Cima morava uma mosca. Alta, bonita, óculos de sol tipo mosca, sempre vestida com um ar meio esverdeado que parecia quase um vestido de noiva. Cinturinha delgada e brilhantina por cima dos óculos. Os lábios eram escuros e pareciam movimentar-se sempre em busca de algo. Olfato, ui, esse era apuradíssimo. Mas mosca, cujo nome não disse e não se perguntou, por uma questão de respeito e porque, convenhamos, entender o que diz uma mosca seria complicado. Além do zzzzzzz que não nos significaria nada além de zzzzzz. Decidimos chamar-lhe Senhora Mosca Sonhadora.

Morava a Senhora Mosca Sonhadora na localidade de Azinheira de Cima. Na de Baixo moravam as primas. Eram moscas de peixe, varejeiras, sujas como as via a prima que não era nada dessas coisas. Tentava ser uma mosca respeitável. Não que as outras não o fossem, mas não tinham cá sonhos de realeza ou fidalguia. Eram moscas simples que andavam zzzê zzzê de volta da zzz zzzê e encontravam e carregavam zzzê zzê. A prima achava que cheiravam mal e eram pouco higiénicas e, por isso mesmo, nunca as convidava para virem a casa dela.

A casa da Sr.ª Mosca Sonhadora era uma casinha asseada. A protagonista desta história vivia feliz lá naquele sítio. A família que vivia com ela era simpática (sim, porque somos nós que ocupamos o espaço das moscas e não o contrário). Apesar de todos os truques para despejar a pobre inquilina – subentendida por eles -, não tinham sido bem-sucedidos e a SMS continuava a viver. Tinham tentado de tudo. Um dia, apareceram umas fitas plásticas na porta. Ridículo! Como se aquilo fosse significado de manter afastada a dona da casa! Entre as brechas, lá entrou a SMS e ficou no seu cantinho arranjado. Contentíssima. As primas assim não chegavam perto. Nem intrusos inesperados e indesejados.

Na semana seguinte, os inquilinos que viviam na casa da SMS decidiram pôr um saco de água à porta. Que bom, assim ficava amais fresquinho o espaço e mais agradável. Nos dias deste calor seco de Portugal, ter uma casinha, asseada e fresquinha era o mínimo que poderia pedir. Mas, então vieram os maus momentos. Começou a sentir-se perseguida na sua própria casa. A pobre mosca, senhora sonhadora, viu, em cima da mesa, um frasco de mel. Que tentação, que doce sonho combinado com a sua fome. Tinha acumulado muita. Não era como as primas que iam a qualquer coisa, em deterioração ou não. SMS era fina, como as suas muitas patinhas. Adorava fruta e mel e coisas doces. Mas conhecia os truques daquela gente maldosa com quem era forçada a partilhar o seu espaço.

Simplesmente não caiu na armadinha e não foi ao mel. Safou-se. Safou-se dessa e das seguintes. Era jovem e gostava de sair à noite. Terá sido por isso que aquela gente gigante que morava na sua habitação, pôs umas luzes de néon, tipo discoteca. Aquilo era florescente e chamava à atenção, mas, sempre de patas atrás, a mosca não caiu e não se aproximou da pista. Decidiu, por isso, ir dar um passeio ao campo. Desanuviar pois já a estavam a chatear. Por coincidência encontrou as primas, malcheirosas que ali andavam, entre Azinheira de Cima e Azinheira de Baixo, em busca de alguma coisa. Cumprimentou-as secamente e regressou aos aposentos.

SMS estava cansada e exausta, como se uma só não fosse suficiente. Queixou-se no caminho inteiro até casa, zzzêee, zzzêee e assim, e assado, e zzzêee e zêee. Chegou a casa ansiosa por algum repouso quando a família ocupante, de mão em riste, andava a jogar ténis com uma raquete. Que chatice. Não lhe apetecia nada fazer desporto. Mas não conseguia fugir. SMS não era mosca de se negar a uma partida e confiante da vitória, ergueu-se contra o ténis, em protesto.

A última coisa que se ouviu foi um ruído forte e sentiu-se um ligeiro cheiro a esturricado. Morrera ali a senhora mosca. Perdera a partida. Morrera o sonho de grandeza. As primas nunca se aperceberiam do que lhe aconteceu. Quem lhe mandou não viver no campo.

Imagem de capa  Viva Photography