1 Maio 2024      12:19

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Somos a matéria com da qual os sonhos são feitos, e nossa vidinha é contida num sonho

Num estranho e muito previdente filme, de 1991, William Hurt e Solveig Dommartin aventuram-se e ficam completamente dependentes de um aparelho (uma espécie de visor), construído por um cientista genial (Max von Sydow), e que permite rever as imagens dos seus sonhos.

"Onírica” é uma obra audiovisual que explora a dimensão dos sonhos, interpretando através de linguagens sintéticas a capacidade criativa da mente humana durante o sono. Através do uso de algoritmos, capazes de traduzir conteúdo textual em imagens, Onírica traz contos de visões noturnas de volta ao domínio do visível, propondo novas reflexões sobre a relação entre humano e máquina, entre ferramenta e criador.

Os sonhos são experiências que unem e fascinam a humanidade desde as suas origens. Durante o sonho, a nossa janela para a realidade fecha-se e dá lugar a um estado particular de consciência onde pensamentos, e por vezes narrativas de sonhos bizarras, se sucedem, projectados nas nossas mentes como sequências cinematográficas por vezes vívidas e extremamente definidas. A matéria dos sonhos provém quase inteiramente das percepções do mundo externo durante a vigília e explora uma reorganização de memórias que integra experiências com fantasias, desejos e pensamentos mais ou menos recorrentes.

Protagonistas cada vez mais comuns das pesquisas científicas, os sonhos são objeto de estudos que têm como objetivo compreender suas características. É precisamente graças à colaboração com dois bancos de sonho, o primeiro da Universidade de Bolonha e o segundo da Universidade da Califórnia Santa Cruz, que Onírica ganhou vida: através de reuniões com investigadores, os dados foram transformados em elementos narrativos, histórias em visões, elaborando um projeto que relacionasse o método científico com a fluidez e a mutabilidade criativa da atividade onírica.

O trabalho transforma em experiência coletiva os sonhos dos voluntários que participaram de sessões de pesquisa nas duas universidades. Selecionados a partir de uma base de 28.748 sonhos, os enredos fluem uns nos outros como uma série de curtas-metragens, traçando a cadência real dos sonhos NREM e REM presentes ao longo de uma noite de sono. As sequências são geradas artificialmente por um sistema de aprendizagem de uma máquina que traduz o texto dos sonhos numa série de alucinações subsequentes que dão vida aos personagens, objetos e paisagens descritos.

Este contínuo fluxo sintético de consciência encontra a sua estética final através da estreita colaboração entre o ser humano e a inteligência artificial: embora a máquina proponha infinitas traduções possíveis das histórias em imagens e vozes, ela não possui qualquer tipo de capacidade de tomada de decisão em matéria estética e escolhas conceituais. A tecnologia assume assim o papel de um assistente criativo que interpreta as indicações da realização propondo possíveis ideias e soluções, numa relação comparável à que se desenvolve no interior de uma equipa de filmagem composta, neste caso, por humanos e máquinas inteligentes.

Onírica acentua a tensão criada pela interpretação e tradução de uma experiência puramente humana, o sonho, através do olhar das novas tecnologias. Inserindo-se num debate ético cada vez mais relevante, a obra pretende abordar de um ponto de vista inédito e exploratório a relação entre uma sensibilidade puramente humana e a capacidade criativa dos sistemas de inteligência artificial: descobrir as suas potencialidades e limitações, estimular no espectador um pensamento crítico e consciente sobre o possível impacto destas tecnologias na sociedade e na percepção de nós mesmos."

Grato a Shakespeare pelas palavras que ele colocou na voz de Próspero: “We are such stuff as dreams are made on, and our little life is rounded with a sleep” (The tempest, act IV), a Wim Wenders pelo seu filme (Bis ans Ende der Welt, 1991) com música de Peter Gabriel, U2, Talking Heads e REM . Obrigado especialmente aos pesquisadores do "Onírica".

Limitei-me a traduzir a apresentação do seu trabalho, "Ventanas al futuro", que, com curiosidade e um certo medo, espero ver em breve em Madrid, no "Espacio Fundación Telefónica”, onde estará patente até 28 de julho.

 Pode ver aqui: https://www.fuseworks.it/works/onirica/

 

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Nota do editor: Giuseppe Steffenino, natural do noroeste da Itália, está ligado a nós pela admiração que ele tem a Portugal e ao Alentejo em particular. Médico cardiologista reformado, é apaixonado por lugares estrangeiros e marcados pelo idealista; interpreta este tempo curvo, oferecendo-nos os seus sonhos, leituras, viagens, lembranças, pensamentos, perguntas, e muitas outras marcas do ser humano.