Canções de embalar

No primeiro dia, as ruas, as gentes, o pequeno movimento, em nada parecia ser muito diferente do último dia. Os dias primeiros seguem-se aos últimos. Os primeiros de cada mês são sempre a seguir ao último do mês anterior.

Por todo o mundo, ao longo de todos os pontos de latitude e de longitude, nasciam bebés no primeiro dia e morriam pessoas no último dia das suas vidas. De tal forma é o ritmo das coisas naturais que muito pouca gente o questiona.

No segundo dia, as coisas podiam ser diferentes, acontecer alguma coisa de espetacular, ou alguém fora do normal aparecer e transformar as coisas que já existem em novidades inexistentes. Não, não aconteceu no segundo dia.

Também não aconteceu no terceiro, nem no quarto nem nos seguintes dias, ou meses, ou anos… o tempo passou e à medida que passava, a criança passou os primeiros dias, os segundos e todos os restantes até chegar aquela idade em que percebiam as canções de embalar.

Nesse dia, quando fez 4 anos de idade, começou a perceber alguma coisa das histórias e das canções que lhe cantavam e contavam antes de adormecer. As histórias, contadas em jeito de canção, tornavam-se um referencial na sua visão.

Quem não se recorda das histórias que lhes contavam quando era criança. Elas alimentavam a nossa imaginação. Elas tornavam-nos super-heróis num mundo onde éramos apenas pequenos peões, como num jogo de xadrez.

No terceiro dia, eram as canções de embalar que ouvíamos, aquelas que embelezavam os sonhos e as nossas noites. Nesse terceiro dia, as canções de embalar elevaram o som, deixando que aqueles que nasceram antes do primeiro dia pudessem também sentir as vibrações das canções de embalar.

As letras que se ouviam eram tão diferentes, os sons eram tão semelhantes. Todo o contexto que naquele dia se passava era tão raro como familiar.

Porque falar de canções de embalar? Bem, pela simples razão de que todos, ou grande parte de nós, vivemos a memória das canções que nos cantavam para adormecer. E quem nunca fechou os olhos ao ouvir uma dessas?

Adormecer ao som familiar, agora aos 40 e tal, de uma canção, é melodia. São canções de embalar num mundo onde tanto ruído nos impede de as ouvir como devido.

No último dia, quando tudo terminar, o último som que cada um de nós ouvirá e sentirá será essa canção de embalar. E o seu som será único para cada um de nós.