Primeiro ouviram-se algumas explosões ao longe. Antecipavam que alguma coisa se ia passar. Era noite e, por isso mesmo, além do som, viam-se ao longe os clarões que acompanhavam o ruído dos explosivos a detonar.
No monte isolado, aqueles que lá viviam eram familiares com o som das explosões e do perigo que elas traziam consigo. Arrastavam, atrás de si, um rasto de temor e um cheiro a morte e devastação.
Já não tinham medo. Esse tinha feito parte das suas vidas nas primeiras explosões e nas primeiras mortes. Agora tornaram-se uma rotina, algo indesejado mas com o qual já se tinham habituado a viver.
Os ataques duravam normalmente nove dias. Incessantes e intermitentes vinham com alvos definidos. Antes de caírem, sabia-se já quem tinham definido, a quem transformariam.
No monte, os olhos dos dois habitantes idosos enchiam-se de água misturada com o reflexo dos clarões a cair.
Não caiam muito perto, mas significavam que seriam mais oito noites sem dormir. Nove dias e ouro noites a olhar os céus e um horizonte martirizado pelo fumo e pelo cheiro a queimado.
Às vezes o cansaço apoderava-se dos corpos frágeis, e na vigia que faziam aos fogos, cediam ao peso dos anos e os olhos fechavam-se.
Eram oito noites sem dormir, oito noites que tinham criado uma rotina e libertado do medo.
Durante essas noites, não se trocavam palavras, os ruídos que se ouviam eram apenas aqueles que se ouviam ao longe. Os passarinhos já não cantavam e até o ladrar dos cães se tinha silenciado.
Oito noites depois voltavam a poder fechar os olhos e a dormir em paz. Também sabiam que não ia durar e que, no futuro, voltariam os clarões e as explosões. Pensavam que já estavam velhos para tanto, mas a idade já não era de mudar e assim seguiriam até que os olhos se fechassem, que as noites sem dormir por causa da guerra ou dos incêndios (já não sabiam bem o que lhe chamar), terminassem.
Até lá, aproveitavam para dormir mais uma hora em cada noite. Em 365, 357 eram descansadas e essa devia ser a perspectiva.