4 Julho 2015      10:38

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JOSÉ JOAQUIM DE SOUSA REIS

Há figuras na Serra do Caldeirão, ainda do lado de cá, no Alentejo, embora já numa fronteira em que não se diferencia bem o Alentejo do Algarve, que nos fazem recordar tempos idos. Há, na memória coletiva dos habitantes, ainda hoje, referência dessas pessoas. Todas elas já foram parte de um universo que se ficcionou mais do que se manteve fiel ao real. Ainda hoje, de manhã, sentados no poial, depois da rega da horta e da apanha dos frutos, dados pelas árvores nas umbrias e furtados pelos pássaros e pelas abelhas, em busca do doce neles contidos, se discutiam as terras que pertenciam a Bernalda, a Velha, ou à sua prima Contreiras, que não sei bem se seria prima, amiga, conhecida, rival ou inimiga. Certo estou de que partilhavam terras e, no imaginário coletivo de todos nós, viveram ao mesmo tempo.

Sei, pelo conhecimento dos antigos que me foi passado, que Bernalda, a Velha, mulher que um dia terá sido nova e jovem. Dela o que ficou foram os últimos tempos de sua vida, marcados na sua alcunha de a Velha. Se Bernalda viveu e influenciou todo um povo, fê-lo no tempo em que Santa Susana, velha freguesia da Ordem de Santiago, era tão importante como a memória dos tempos que ficou gravada naqueles que a conhecem agora, já quase sem nenhum habitante. Santa Susana pertence agora a São Barnabé e deixou de ser freguesia há mais de três séculos. Manteve, durante muito tempo, alguma importância e está gravada na memória de todos nós, tanto como as suas festas, a 11 de agosto de cada e de todos os anos.

Outra figura desta nossa história da Serra, do lado de lá e do lado de cá, é a de José Joaquim de Sousa Reis. Nascido a 19 de outubro de 1797, em Estômbar, terra natal do meu avô, seria fuzilado em Faro, fruto de uma vida intensa que lhe valeu a alcunha de Remexido. Acabou condenado por uma guerrilha em torno de ideais e ganhou um lugar na história de São Bartolomeu de Messines, Lagoa, Caldeirão, Algarve e Portugal inteiro. A sua pequena biografia que aqui reproduzo é aquela que é contada pelas pessoas que se lembram das histórias que eram contadas pelos seus pais e esses, pelos pais deles. Diz-se que estudava para ser padre, largamente influenciado pelo seu tio que ocupava um importante cargo dentro da Igreja. Diz-se, também, que, certo dia, na pequena vila de Messines, preparando-se para a missa, quase ordenado, viu uma linda donzela da vila por quem se apaixonou. Chamava-se Clara e era de uma das mais importantes famílias de Messines. De imediato, José Joaquim de Sousa Reis deixou os seus intentos e preparou-se para casar com Clara. Furioso, o tio lançou todas as represálias contra o sobrinho que lhe respondeu de forma igualmente enérgica e conseguiu não só casar com quem amava, mas também ganhar a alcunha de Remexido.

Remexido ficou depois ligado a uma longa guerrilha que hoje é conhecida pelo seu nome. Em tempos conturbados de guerra civil, entre absolutistas e liberais, José Sousa Reis aliou-se aos ideias absolutistas e, já terminada a guerra, continuou, na Serra do Caldeirão, a defender aquilo em que acreditava. Desde o Algarve a todo o Baixo Alentejo, todos reconhecem o nome Remexido como familiar. Na toponímia, encontram-se nomes familiares: o Barranco dos Guerrilhas, a Fonte do Remexido, o Rasmalho, nome dado a uma pequena povoação por causa de Ramalho, guerrilheiro morto nesse sítio e tantos outros que vieram, até hoje, fruto desse período histórico. Há, ainda, todas as histórias, a da Batalha de Sant’Ana, a ameaça do Marquês Sá da Bandeira em incendiar a serra do caldeirão para acabar com o bloqueio e com os guerrilhas que impediam a passagem do correio para o Algarve. Recordo, ainda, a história do Canafixal e dos guerrilhas que foram escondidos pela população que sempre os apoiou contra as tropas ou dos porcos que roubaram ao prior de Santana da Serra, sem esquecer a suposta captura de Manuel, filho de Remexido, em Santa Susana. Ou o ataque a Messines preparado, durante cinco dias, na Foz do Zebro, a poucos quilómetros do sítio que me viu nascer.

Imagino esses tempos e, à luz da realidade que é a serra e daquilo que hoje existe, deduzo as dificuldades em que se vivia. Deixo o romantismo para todas as histórias contadas pelas pessoas que elevam o nome de José Joaquim de Sousa Reis à categoria de mito e lenda. A captura e morte de José Joaquim de Sousa Reis aconteceria a 2 de agosto de 1838, fuzilado em Faro, após julgamento dos crimes dos quais foi acusado e condenado. Foi no reinado de D. Maria II, a mesma que aboliria a pena de morte, definitivamente, em 1867. De Sousa Reis fica a memória que atravessa a serra e chega a Estômbar.