18 Maio 2018      20:43

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Vidas

Nada é perfeito. Ninguém. As coisas que compõem a vida são coisas imperfeitas por natureza. Embora estejam ou possam estar muito próximas, algumas, dessa noção de realização máxima, haverá sempre um ponto que não bate tudo certo. Há vidas imperfeitas e não há total perfeição na vida ou mesmo vidas perfeitas.

O Universo e a sua proximidade com a perfeição sempre me impressionaram. Penso muitas vezes em como tudo se enquadra e encaixa e na forma como tudo existe e como tudo foi criado. Embora não conheça muito da infinidade do Universo, conheço aquilo que o dia e a noite me põem em frente aos olhos. A minha visão e perceção da realidade é reduzida, como a de todos os homens. A vida de todas as mulheres e de todos os homens é tão fugaz como esse pedacinho de Universo que se encontra por terminar.

Hoje falo de vidas, de todas as vidas e de nenhuma em particular, das coisas boas e das coisas más, dos sentimentos felizes e das tristezas. Revemo-nos em palavras e em imagens porque elas são reflexo das nossas vivências ou daquilo que aspiramos. Há quem defenda que tivemos vidas passadas. Há religiões que se baseiam nesse mesmo princípio de sermos vidas passadas e de o nosso percurso ser o acumular dessas vidas, na busca da perfeição. Este é um texto sobre a vida e a perfeição. Ambas são duas ideias belas por si mesmas.

Diariamente me encontro com tantas vidas, em cada passo que dou, além da minha própria em que penso e reflexo. O verbo refletir tem dois sentidos, ambos consequentes. Além da minha própria, vejo as dos outros e delas, o reflexo em mim. Cruzamo-nos na rua, nas escadas, nos transportes públicas e, muito embora não olhe diretamente, não sinta o olhar, vejo além do percurso e além da superficialidade da vida.

A dureza que vejo nos rostos, os sorrisos espontâneos, as lágrimas que por vezes caem são todos momentos que progridem ou regridem nessa busca da perfeição. Porque nos levantamos de manhã, porque caminhamos ou nos conduzimos ao trabalho? Porque trabalhamos arduamente em busca de um mundo melhor. A casa, um carro com melhor aspeto e melhor performance, filhos, netos, tudo faz parte da nossa vida. Tudo. Nada é perfeito e nada do que atrás se disse é igual em categorização de prioridades.

Sentido. Busco, eu como todos, um sentido a cada dia para a minha vida. Arrisco e arriscamos. Na minha vida e na dos outros, na vida de todos, tomamos decisões, prescindimos de uma estrada em benefício de outra. Procuramos, todos o rosto aberto da satisfação e da realização, seja ela pessoal, profissional, espiritual.

Realização. Para ela criámos relações, trabalhos, apaixonamo-nos, criamos igrejas, mesquitas, religiões, espiritualidade. Incessantemente, buscamos sempre entender e completar a palavra. A partir do momento em que nascemos, o gatinhar, os primeiros passos, as mudanças que o nosso corpo e a nossa mente passam e ultrapassam, as linhas que de nós partem, as perdas que sofremos. Fazem-nos mais fortes, dizem. Poderá assim ser, poderá não ser assim. Não o sabemos. Perfeição. Tão longe de nós e tão próxima, ao mesmo tempo.

Aquela cara e aquele corpo estropeado que implora ajuda, seja por necessidade, seja pela adição que lhe retirou a capacidade de se erguer tão rápido quanto gostaria. A busca pela perfeição, dessa forma que não funcionará foi a que lhes foi imposta. Resta-lhes ter forças. Resta-lhes encontrar o caminho da vida que não é essa estrada sinuosa cujo destino final não é a perfeição.

Nada é perfeito. Ninguém. A felicidade que, tantas vezes, é momentânea, espreita. No percurso da vida mais ou menos agitada, há quem viva calmamente, de alma pacificada. Há quem não deixe que a alma sossegue, num turbilhão de ventos e marés que, tal como o Sol, geram energia. E no percurso da vida, lembrem-se, nada é perfeito. E, no fim, a morte.