4 Janeiro 2024      10:16

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Quem tem medo da democracia?

No início do novo ano, aparentemente, terão tocado as sirenes para alguns. O espectro das eleições antecipadas tem gerado muita discussão, com o bicho papão da fragmentação do parlamento a assumir-se, perante os assustados que pululam no vasto universo de comentário televisivo, como um risco para o sistema democrático e para a impossibilidade de criação de um governo estável.

Mas não é suposto ser a democracia o espaço para a discussão das opiniões, do diálogo, da apresentação e negociação de propostas entre as diferentes forças políticas? Não são os votos a única forma de tentar resolver os problemas agora surgidos, com a dissolução da Assembleia? Não é na diferença que está a riqueza, apesar da crispação e do confronto? São muitas as perguntas, mas só o debate de ideias pode alimentar o progresso.

O problema, na legislatura que chegou ao fim, foi a incapacidade de uma maioria se assumir como uma força motriz para a resolução dos problemas do país, revelando uma notória incompetência em termos da gestão governativa que se exigia, numa altura em que a conjuntura internacional está mergulhada no caos que todos conhecemos, por entre conflitos absolutamente desnecessários. Era necessário rigor, disciplina e organização, não obstante alguns resultados positivos que foram alcançados, sobretudo a nível económico.

Tinham tudo na mão para poder cumprir até ao fim o mandato que lhe foi confiado, não fossem as trapalhadas e os episódios caricatos, mas de extrema gravidade. Por erros próprios, não conseguiram manter o discernimento necessário. O único culpado é o PS. Não vale a pena tentar encontrar outros bodes expiatórios.

Agora, não tenhamos medo do futuro. Voz ao povo. Seguramente que os eleitores saberão escolher o novo governo, seja ele qual for, à direita ou à esquerda, com a noção exata de que os entendimentos terão que ser encontrados, independentemente do posicionamento político de cada um dos protagonistas. Por essa Europa fora, temos vários exemplos que, mais cedo ou mais tarde, souberam encontrar pontos de convergência. As regras são estas.

Eu também preferiria, tendo em conta a conjuntura e em nome da estabilidade, não ter que ir novamente às urnas. Porém, tendo em conta todas as inusitadas ocorrências, estávamos perante um beco sem saída.

Perante a situação vivida no final de 2023, o presidente Marcelo não tinha alternativa senão avançar para este cenário das legislativas antecipadas. Era a única decisão possível, tendo em conta o acumular de situações que se foram sucedendo e que terminaram com o escândalo que envolveu o núcleo próximo do Primeiro-Ministro. Não me parece que um outro desfecho pudesse ser equacionado, não obstante a posição dos que defendem que Costa podia ter sido substituído por alguém do seu núcleo duro.

Para os assustados, esta decisão também coloca em causa o papel institucional do Presidente da República, que começa já a ser apontado por alguns como o grande responsável sobre a eventual instabilidade política no horizonte temporal próximo. Mas será que vai ser mesmo assim?

Cabe agora aos portugueses escolherem o seu futuro e as urnas é que irão ditar os resultados. Muito se especula agora sobre como ser vai ser a composição da nova Assembleia, depois de 10 de Março. A única esperança que temos é que vão ter que surgir entendimentos, sejam eles quais forem, independentemente dos sapos que tiverem que ser engolidos. Se assim não suceder, caminhamos para novas eleições e um crescente aumento da abstenção e consequentemente, do populismo.

Por outras palavras, uma cada vez maior descredibilização da política e dos políticos. Os futuros eleitos têm que criar estratégias que permitam soluções, para bem de todos. Há que deixar por vezes as cargas ideológicas e as lógicas partidárias, em nome de um bem maior, que é a vida do país.

É um problema ter a Assembleia da República fragmentada? Penso que não. O importante é que, de acordo com os resultados, sejam definidos mecanismos para a constituição de um novo governo, que seja estável e que possa dar garantias de futuro. Com ou sem acordos escritos. À direita ou à esquerda. Entendam-se. Todos ansiamos por isso.