26 Abril 2016      16:28

Está aqui

ORFANDADE...

Num mundo em que todas as noites a televisão nos vende a ideia de que os acontecimentos maus já são tão banais que deixam de nos afectar, verifico que muita gente passou a visualizar uma morte ou um atentado com a mesma expressão de serenidade com que se assiste a um jogo de xadrez.

Sorrio ao entender que não sou assim tão insensível. Ou talvez até o seja, mas ao menos faço os possíveis para fugir de um mundo que nos tenta tornar em figuras revestidas por pedra. Porque todos sabemos que as estátuas não pensam, não debatem e o que ainda é mais conveniente é que não agem para mudar nada!

Sorte, ou azar, é o facto de ainda haver quem se importe! Quem verta lágrimas pelas atrocidades que vê! Quem não resuma a sua voz a um grito abafado contra uma almofada! Quem pegue numa mochila e deixe a sua confortável vida, num local seguro e acolhedor e parta para ajudar, sem sequer saber se irá regressar um dia…! Quem apesar da fama nunca se esquece das suas origens e continua humilde! E é destas pequenas grandes pessoas que se faz o mundo! Pelo menos este mundo em que eu quero viver!

Uma destas maravilhosas pessoas, um destes mestres da vida, como carinhosamente lhes chamo, era conhecido como Nico aqui pelas terras do Alentejo, de onde um dia partiu com um esboço de futuro que se adivinhava demasiado normal para a alma que o habitava.

Tudo isto porque ele, corajoso como era, ousou desafiar aquilo a que tentavam que ele se restringisse e desistiu do comodismo em que vivia para seguir os seus sonhos. A ele não lhe bastou estudar Direito com a garantia de vir a ser diplomata. Ele queria mais! Queria erguer um mundo novo a partir dos sonhos que surgiam como esboços na sua mente! Desejava dar ao mundo novas formas de arte, novas formas de vida, novas emoções… E conseguiu!

Conseguiu porque quase todas as tardes ou noites, ele entrava nas nossas casas com o seu sorriso contagiante, com o seu olhar carismático e com aquela voz carregada de sentimento a que tanto nos habituou. E foi precisamente com esta forma de ser, aliada ao seu incrível talento que ele deu ao mundo muito mais do que aquilo que o próprio mundo alguma vez poderia ter-lhe dado!

Quantas vezes ao sentirmo-nos tristes ou cansados ligámos a televisão em busca de uma boa gargalhada e ele estava lá? Quantas vezes utilizámos o seu maravilhoso sentido de humor como escape da realidade?

Foi ao pensar nisto que naquele fatídico 14 de Março neguei a mim própria a notícia que o facebook tanto teimava em mostrar-me. Nico tinha morrido. Dizia-se pelo facebook. Mas eu, teimosa como sou, recusei acreditar. Era só mais um vírus do facebook que se escondia por detrás de um boato. Tinha de ser isso! Não podia ser verdade! E eu lá fui repetindo isto a mim própria durante aquilo que restou daquela tarde até que por fim, nessa noite, quando ansiosa liguei a televisão do meu quarto, choquei contra a dura verdade: Nico tinha, efectivamente morrido!

Senti-me, então, mergulhada numa dormência existencial! O mundo chorava a morte de um dos poucos ídolos vivos que eu tinha! E eu, eu não só chorava a sua morte, como chorava, acima de tudo, a orfandade em que todo o mundo se vira mergulhado sem dar-se conta.

É certo que para muitos foste só mais um actor! Mais uma morte! Mais um número! Mas até que ponto se pode ficar indiferente à perda deste ser humano que foste? Até que ponto é possível não chorar por saber que a tua imortalidade atingiu uma estagnação? Até que ponto pode o mundo viver sem o teu contributo?

Uma parte do mundo chora-te! Mas é quem não considera a tua partida deste mundo digna de atenção, quem realmente caiu numa orfandade sem limites, pois jamais terão a oportunidade de entender a grandiosidade da tua alma!

Adeus Nico! Até outra gargalhada!

Imagem de capa da MOVE Notícias que pode ser vista aqui.