7 Abril 2016      16:07

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ESCREVO DO QUE ME CORRE NAS VEIAS: O ALENTEJO

Da sua poesia escreve José Luís Peixoto: "Os poemas de Dinis Muacho aspiram à melodia, ao equilíbrio. Possam os seus caminhos cruzarem-se com os olhos de muitos leitores." Falamos como já percebeu de Dinis Muacho, amante da fotografia, do fado, do cante e poeta militante. 

Nasceu a 06 de Janeiro de 1982 na cidade de Portalegre, em pleno Alto Alentejo. É licenciado em Engenharia Mecatrónica pela Universidade de Évora e Membro Efectivo do Colégio de Engenharia Mecânica da Ordem dos Engenheiros. A sua obra, poética e ficcional, figura em dezenas de antologias, tanto no seu país, como na América Latina, nomeadamente no Brasil. Fomos conversar com ele a poucos dias do lançamento da sua mais recente obra, Incensus, que será feita na sua terra natal,  Aldeia Velha, em Avis.

 

Tribuna Alentejo: Incensus é um livro de poesia alentejana.

Dinis Muacho: Em boa verdade, é um livro que tem muito do meu amado Alentejo em plano de fundo, mas está longe de ser um livro de poesia popular alentejana. É um livro de poesia, e espero que aos olhos do público seja de boa poesia, com equilíbrio, emoção, melodia e intensidade (como bem o refere o escritor José Luís Peixoto, a respeito desta Obra).

Como alentejano artístico que sou (escrevendo poesia desde os nove anos de idade) é natural que muito do que escreva tenha muito da nossa sonoridade popular, sonoridade essa tão alentejana, e que ademais expresso e transmito na escrita para Fado e para Cante, mas não é de todo isso que se aborda neste livro. Como Autor, é para mim difícil ter uma análise “imparcial” e mais distante sobre o mesmo, mas esta obra poética pode-se dizer que em traços gerais é uma ode à mulher, à melodia das palavras e dos sentires, e ao meu amado Alentejo, suas cores e suas gentes, ao amor e desamor, às deusas das nossas vidas: mulher, mãe, Alentejo, terra, vida. É indissociável aquilo que escrevo daquilo que vivi e que me corre nas veias: o Alentejo. Poesia, sim. Alentejana, sim… em sentido mais lato.

 

Tribuna Alentejo: O que o marca mais, a paisagem ou os indivíduos?

Dinis Muacho: Marca-me a terra. E a terra é mátria e pátria da paisagem e das gentes. Uma sem a outra não faz sentido para mim, enquanto homem e enquanto poeta – “escritor”. São unas, terra e gentes, princípio e fim. Posso-lhe dizer que a paisagem (nasci em Portalegre como todos os miúdos da minha geração por questões de segurança nos partos, mas cresci e vivi na freguesia de Aldeia Velha de Santa Margarida (concelho de Avis), licenciei-me em Engenharia Mecatrónica em Évora) que sempre vi à frente dos meus olhos e onde fui criado e brinquei não é de todo a planície colossal, postal de marca do Alentejo.

É sim uma paisagem de um Alentejo mais charnequenho, igualmente rude, com as mesmas dores de horizonte (apesar de não se ver tanta planície de ondas de barro sem fim…) e a mesma ânsia de passar cada barreira que se avistasse. Há muitos Alentejos dentro do amor ao Alentejo grande, ao sul do rio Tejo. O alentejano, quanto a mim, ao nascer numa terra mágica (porque o é, e assim o sinto) é também um pouco bruto e genuíno, metido consigo mesmo mas com um coração onde cabe um mundo. Nascendo e sentindo estas terras da magia tão ancestrais como sinto e como as vejo hoje em dia (resido e trabalho em Lisboa há já sete anos) cada vez mais na minha escrita poética sou mais absorvido pela força da terra e dos indivíduos que teimam em não morrer sem ser de pé, como é o Alentejano, seja lá ele de que zona do Alentejo for…

 

Tribuna Alentejo: O autor considera-se um contemplativo?

Dinis Muacho: Sou um devoto da Natureza (uma das formas do verdadeiro Deus, pelo menos do meu) e a minha escrita, nomeadamente a deste livro, Incensus, vai muito ao encontro disso, a busca de uma filosofia interior em que a terra e o homem são o acorde único de muitas melodias, de que a vida de todos nós é composta. Para mim, escrever é um acto de meditação perante os elementos que nos regem (muitos não vivíveis nem mensuráveis) e uma forma de estar perto de Deus, dos Deuses e das Deusas de cada um e de todos nós. É afinal uma forma de me expressar perante o mundo e de chegar aos outros através da contemplação descomprometida mas consciente de poeta atento, é pôr nesse rasgo de alma que é o poema, esse universo maior do que nós, que é a nossa Verdade. Tenho uma frase minha que diz “Precisamos de sol e de amor para que uma flor nunca deixe de ser uma flor”. Penso humildemente que isto seja contemplação ao que de melhor o Ser Humano possui…

Tribuna Alentejo: É uma característica vincadamente alentejana?

Dinis Muacho: Tal como a musa maior do Além Tejo, Florbela Espanca (uma enorme referência para mim enquanto homem e poeta) escreveu "com a idade sinto-me cada vez mais alentejana e menos portuguesa", ora isto, vindo de quem vem, só pode querer dizer que estamos perante uma terra, uma gente, um sentir e um coração que não sei se haverão muitos povos que se possam orgulhar de tamanha riqueza! A força da terra que verga o homem, e o homem contempla a terra, a cada leiva que se espera que se espera que seja flor e que a flor seja pão… É impossível alguém não se render à forte mágica da nossa terra!

Passo a mostrar-lhe em primeira mão o poema de abertura deste novo livro, Incensus, que escrevi em Matosinhos já no decorrer deste ano, e que é muito do meu sentir como alentejano:

 

Um dia tive de voltar para

abraçar o mar.

É aqui que me sinto

sempre mais alentejano:

as planícies de ondas, um

horizonte sem fim,

beijam a praia e morrem solitárias.

Lembra os chaparrais da minha terra,

que vivem e morrem na

solidão das marés de frio e calor.

Esta terra aqui tem um não sei quê

que me faz sentir seu filho,

mais alentejano e não tanto português,

a cada novo respirar de ver o mar,

o mar grande e rude,

como a rua Grande da minha Aldeia.

Talvez seja essa grandeza feliz

que me enche de verdade e riso: a rua Grande

da minha Aldeia não era grande, mas era

a grande rua de onde vim, a rua feliz, onde

sonhámos ver o mar para lá dos chaparrais

e do olhar dos velhos que teimavam

em ser gente

sonhando o mar que nunca viram.

(Matosinhos, 18 Janeiro 2016)

Dinis Muacho

 

Tribuna Alentejo: Quem são os seus autores diletos?

Dinis Muacho: Pela parte da lusa pátria sempre gostei muito da nossa musa maior, quiçá a maior poetisa de sempre do nosso país, Florbela Espanca. Admiro igualmente a poesia de António Ramos Rosa e a escrita de José Luis Peixoto, Camilo Castelo Branco, José Régio, Garibaldino de Andrade e Antunes da Silva (escritor eborense infelizmente muito pouco falado hoje em dia, mas um contista notável), só para citar alguns… Dos escritores e poetas de terras que não as nossas, não posso deixar de referir o meu gosto por Antonio Machado (poeta andaluz), Rainer Maria Rilke, Manoel de Barros, Khalil Gibran (leitmotiv para as duas partes poéticas que constituem Incensus, e que se fundem numa só) e Clarice Lispector.

Tribuna Alentejo: Para além da escrita e da fotografia desenvolve alguma outra arte?

Dinis Muacho: A fotografia sim, é um hobbie que levo bastante mais a sério, com paixão, e uma terapia constante. A poesia é a arte principal arte, por assim dizer… mas que não desenvolvo, acabo sim por ser “desenvolvido” pela inspiração que as musas e os deuses (mulheres e homens do meu caminho) da Natureza me vão trazendo, e sobre o qual pouco controlo pode haver… costumo dizer, e este é um pensamento meu: “Para mim, a poesia que é pensada, pouco vale, ou nada!)…

Tribuna Alentejo: A escrita é central?

Dinis Muacho: No domínio das Artes sim, mais a poesia que a prosa, actualmente, o futuro só a Vida o saberá. No dia-a-dia desenvolvo a minha actividade profissional na área da engenharia mecânica que vou conciliando sempre que posso, com a minha amada poesia, o fado e o cante (já tendo letras cantadas, musicadas e gravadas, como poderá ver no meu canal no Youtube) em termos de apresentações e tertúlias. Porque quanto ao “poeta” costumo dizer por brincadeira que sou poeta-engenheiro e não engenheiro-poeta!

Nota do editor: Dinis Muacho pode ser seguido em www.dinimuacho.net