18 Fevereiro 2021      15:30

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Dunning-Kruger ou a Vida Selvagem

Os profissionais não são todos iguais. Qualquer que seja o setor de atividade em que operem, existirá sempre uma diferenciação na sua capacidade de executar as tarefas atribuídas, na sua motivação, e na predisposição que têm para aprender e evoluir. Garantir que a empresa retira o melhor de cada trabalhador é um dos muitos desafios com que o Departamento de Recursos Humanos se depara diariamente, papel ainda mais exigente se tivermos em conta a crescente complexidade na relação interpessoal e da forma como o desempenho do trabalhador é avaliado. O contexto de pandemia que vivemos tem obrigado a uma reorganização das empresas, mas o papel pedagógico dos recursos humanos deve ser mantido, sob pena de ferir profundamente a cultura organizacional. Toda esta conjuntura leva à necessidade de reflexão sobre o papel que cada um de nós tem perante a Organização, e de que forma nos podemos potenciar dentro dela, aumentando assim o nosso valor.       

“A mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”

Esta máxima atribuída a Júlio César é amplamente vivida em contexto de trabalho. Não é raro termos conhecimento de colegas que cuidam muito bem da sua imagem profissional, ao ponto de considerarmos que a sua competência é inquestionável. Em alguns casos, a boa imagem profissional está associada a elevados desempenhos ou à conquista regular de objetivos. No entanto, em outros casos, esta imagem positiva está associada a boas relações interpessoais, à ideia edílica de um profissional irrepreensível, ou à forma assertiva e carismática com que se exprime, o que nem sempre corrobora a tese de ser competente.

Antes de nos expormos à avaliação externa dos nossos superiores hierárquicos, deve ser feita a tal reflexão, uma autoavaliação sobre o nosso papel na empresa. Devemos considerar a hipótese de estarmos sob o Síndrome da Superioridade Ilusória, ou efeito Dunning-Kruger.

Justin Kruger e David Dunning, dois professores de Psicologia e investigadores da Universidade norte-americana de Cornell, realizaram uma experiência para encontrar resposta a uma questão que muitos de nós fazemos no nosso quotidiano de trabalho, quando pensamos em determinados colegas: “será que um incompetente não tem consciência da sua própria incompetência, precisamente por isso?”. Foi realizada uma experiência que mais tarde lhes valeu o Prémio Nobel, que consistia em questionar os participantes o quão competentes se consideravam nas áreas de gramática, raciocínio lógico e humor. Posteriormente foi realizado um outro teste para aferir a sua real competência nestas áreas. Os resultados foram os esperados: aqueles que se definiam como muito competentes em determinada área, obtiveram menores pontuações nos testes. No polo oposto, aqueles que se tinham subestimado obtiveram melhores resultados.

Um claro exemplo do efeito Dunning-Kruger em contexto de trabalho está no colega que todos temos que fala de forma autoritária e aparentemente conhecedora sobre determinado tema, mas que nunca o chega a aprofundar. No nosso quotidiano, vemos o efeito Dunning-Kruger inúmeras vezes na forma assertiva e por vezes arrogante de muitos opinadores nas redes sociais, mesmo que o texto produzido careça de fundamentação.

A reflexão que se convida a fazer permite perceber se se encontra perante este efeito. O “diagnóstico” atempado permite ao trabalhador chegar à conclusão que, afinal, é incompetente. Resta saber o que cada um de nós faz com essa informação. Se alguém parece ser competente sem o ser, será apenas uma questão de tempo até ser posto à prova e falhar.

Avaliar o desempenho de alguém que esteja sob o efeito Dunning-Kruger é uma tarefa desafiante, podendo ter um impacto avassalador naquele individuo, uma vez que abala inevitavelmente o seu nível de confiança. Por isso se convida à reflexão atempada, para que este diagnóstico seja feito através de uma autoavaliação e não pelo superior hierárquico, evitando um conjunto de potenciais conflitos de trabalho.

Mais uma vez o papel dos profissionais de recursos humanos afigura-se essencial. É neles que reside a capacidade de trabalhar todos os passos descritos no gráfico acima, fazendo passar a ideia de que a tomada de consciência da sua própria incompetência é o motor para que o conhecimento e a aprendizagem sobre determinado tema tenha início e se desenvolva. O equilíbrio entre o nível de confiança e o conhecimento demonstrado é um dos principais fatores preditivos de sucesso, mas a confiança deve ser proporcional ao nível de conhecimento demonstrado.

 

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Sobre o autor: Duarte Meneses é natural de Lisboa mas cedo se apaixonou por Évora e é lá que hoje reside. Licenciado em Psicologia com especialização em Psicologia do Trabalho, é atualmente aluno de Mestrado em Gestão na Universidade de Évora. Trabalhou como Consultor de Recursos Humanos em Portugal e Angola, e atualmente é Gestor de Recursos Humanos em empresas agrícolas da região.