8 Outubro 2022      11:10

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Lugares vagos

Hoje, ao percorrer uma curta distância de comboio, houve algo na viagem que me começou a atormentar e a preencher o pensamento. A maioria dos lugares no comboio, naquele percurso que estava a fazer estavam vagos.

A viagem não ocorreu durante a pandemia, claramente. Aí tudo estava vago. Quase toda a gente mudou os seus hábitos, ficando em casa, trabalhando a partir daí, fosse essa decisão por obrigação ou por decisão consciente de saúde.

Era necessário, uma vez por outra, ir ao supermercado, restabelecer os alimentos que começavam a faltar. Mas poucos seriam os que aproveitavam os transportes públicos para o fazer. Alguns faziam-no por necessidade, outros pela necessidade de demonstrar a sua valentia, talvez.

Hoje, a pandemia quase parece passado. As carruagens voltaram a encher-se de gente. Rostos de todas as caras, pessoas de todos os jeitos e feitios, gente igual e gente diferente. Nesta carruagem em particular há gente em silêncio, provavelmente agarrados aos seus telefones, tal como estou para poder escrever este testemunho.

A ausência de passageiros poderá significar muitas coisas diferentes. As possibilidades ocupam o pensamento. Talvez tenham apanhado outros comboios anteriores, devido à hora tardia. Talvez tenham trabalhado a partir de casa, ou quem sabe tiraram o dia de folga. Terão sucumbido à Covid-19? O certo é que os seus lugares estão vazios.

Estes lugares vagos não estariam reservados para alguém especificamente que nem sabemos quem é. No entanto, são lugares e os lugares comportam e estão destinados a pessoas. Podia chamar-lhes assentos. No fundo, os significados são iguais. Os nossos lugares tantas vezes transformam-se em assentos e os assentos ficam vagos.

O lugar ao meu lado está vago. Não o digo de forma alegórica. Significa apenas que ninguém se sentou ao meu lado, nem à minha frente, nem atrás de mim. Viajo quase sozinho para esse lugar, quero chegar a um destino que não é partilhado por outros. Alguns fazem o mesmo percurso e saem a meio, dependendo das duas conveniências e propósitos.

Outros adormecem e, quando se apercebem, a sua viagem já terminou. A verdade é a singularidade de cada uma das nossas viagens e dos lugares que se vão preenchendo e esvaziando.

Os lugares vagos nesta viagem já transportaram pessoas. No regresso, na próxima corrida, outros sentar-se-ão nestes mesmos lugares e a viagem de cada um será certamente distinta de todos os outros.