11 Abril 2023      12:28

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Ainda há internet com velocidade do início do 3G no Alentejo

A qualidade das telecomunicações no Alentejo, mais concretamente nos concelhos de Vila Viçosa e Évora, é um obstáculo no combate à desertificação, revela o jornal Público.

O jornal exemplifica esta situação com os casos de Luís, que não consegue ouvir o que a mãe lhe diz ao telefone, de Redolfo, que não pode assistir a conteúdos desportivos em alta definição se a filha estiver a utilizar um serviço de streaming, e de Mónica, que não é capaz de fazer ou receber chamadas em casa.

Estes são três casos que mostram os problemas encontrados por dois engenheiros da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), que realizaram estudos nos municípios de Vila Viçosa e Évora para avaliar a qualidade do serviço de telecomunicações móveis.

Estes estudos foram feitos na ótica do utilizador e simularam a qualidade do serviço dos residentes e dos trabalhadores das várias freguesias destes dois municípios, com recurso a “telemóveis de 200 ou 300 euros” ligados a outros semelhantes na sede da Anacom e “em igualdade de circunstâncias” para a Meo, a Nos e a Vodafone, os três operadores de comunicações que tiveram os seus desempenhos analisados.

Os testes, que foram realizados em dezembro, em Vila Viçosa, e nos meses de agosto e setembro, em Évora, e foram em tudo semelhantes a outros que têm sido feitos pelo país, permitiram concluir que “o fosso digital existe e é uma ameaça à coesão territorial”, resume Fábio Silva, coordenador da equipa da Anacom que faz a monitorização do espectro.

É a lógica do mercado que faz com que os operadores escolham os maiores aglomerados populacionais para fazerem a instalação das suas antenas e aí procederem à atualização para as tecnologias mais recentes (como o 4G e o 5G). Isto, no entanto, faz com que a população que se encontra em territórios vistos como menos rentáveis tenha menos oportunidades para aceder a ferramentas digitais essenciais para o trabalho, para o estudo ou para a utilização de serviços públicos e de lazer.

Em Vila Viçosa, que conta com menos de 8.000 habitantes e que perdeu, em 10 anos, 11% de população, os dois engenheiros da Anacom, que andaram mais de 250 quilómetros de carro e realizaram perto de 56.000 testes de medição de sinal de rede, 693 chamadas de voz e 676 testes de velocidade de ligação ao serviço de Internet, acabaram por vivenciar o que a população ali encontra todos os dias: uma cobertura de rede má, ou até mesmo inexistente (33,9% da amostra, com os piores resultados a serem os da Nos).

O jornal avança ainda com mais números, dizendo que, em cada 25 chamadas, uma não se consegue efetuar (destacando-se aqui a Meo) e, em alguns lugares da freguesia de Ciladas, a que conta com os piores serviços, os telemóveis acabam por ligar-se às redes de Espanha através do roaming.

“Quando estamos em Portugal e os telefones escolhem ligar-se a Espanha é porque claramente o sinal é insuficiente , e se o sinal é insuficiente é porque a densidade das antenas é insuficiente”, salienta Fábio Silva, enquanto explica que o caso aconteceu na rede da Meo.

Na sessão de apresentação do estudo, estes problemas foram confirmados por Inácio Esperança, presidente do município de Vila Viçosa, concelho que, há alguns anos, vivia sobretudo da exploração e da transformação de mármore, mas que, desde meados dos anos 2000, tem vindo a lidar com a concorrência da China e que já testemunhou o encerramento de mais de 150 empresas dessa área. Tudo isto fez com que o foco mudasse para o turismo e para a natureza, de forma a atrair e fixar pessoas, sendo também objetivo do município entregar a candidatura a Património Mundial da Unesco ainda neste primeiro semestre de 2023. No entanto, todos estes objetivos ficam mais difíceis de atingir quando as comunicações não são fiáveis e não há Internet de alta velocidade.

“Desde a pandemia há uma tendência crescente de fuga das grandes cidades para o interior e se nós não tivermos condições para que esses nómadas digitais se instalem vamos ter muitas dificuldades em conquistar pessoas”, constata Tiago Salgueiro, vice-presidente da Câmara Municipal.

Em Évora, em 26,3% da amostra houve uma qualidade do sinal de rede inexistente, má ou muito má. Entre os operadores estudados, a “cobertura mais deficiente” foi apresentada pela Meo, enquanto a Vodafone e a Nos obtiveram melhores resultados. Ainda assim, a situação do município eborense acabou por ser semelhante à de Vila Viçosa, no sentido em que não foi possível efetuar uma em cada 25 chamadas, o que origina resultados “muito pouco satisfatórios”.

Fábio Silva deixa ainda claro que a metodologia utilizada previa como critério de sucesso a duração de um minuto por chamada e não o desenvolvimento de um diálogo percetível. Caso se tivesse utilizado este último fator, os indicadores poderiam ter sido ainda piores.

Em alguns locais, ficou também comprovada a existência de uma má velocidade de Internet móvel. Nos dois concelhos alentejanos, foram obtidos níveis de acesso ao serviço superiores a 80% durante a realização das sessões de dados. Nesta área, a Vodafone foi a melhor e a Meo foi a pior. A ferramenta Netmede, disponível para todos os utilizadores de Internet no site da Anacom, detetou “grandes variações” nos desempenhos, provocadas pela qualidade de sinal dos três operadores e pela tecnologia de acesso (3G/4G/5G). 

Os resultados dos testes feitos em Évora demonstraram a utilização de tecnologia 3G, menos estável e com menores débitos, em 37,5% na rede da Nos, ao passo que os outros dois operadores usam sobretudo o 4G, apesar de a Meo ainda ter 2G em 8,7% da amostra.

Quanto à realização de downloads, foram registadas, em Vila Viçosa, velocidades de 41,1 megabits por segundo (Mbps) na Meo, de 28,8 Mbps na Vodafone e de 26,4 Mbps na Nos. No envio de dados (isto é, uploads), as médias ficaram em 13 Mbps na Vodafone, 7,8 Mbps na Meo e 6,5 Mbps na Nos.

Fábio Silva defende que estão em causa velocidades extremamente baixas.

“Para dar uma ideia, 4 Mbps era a velocidade dos primórdios do 3G, em 2000 e pouco”, esclarece o responsável da Anacom, que avança ainda que a Nos, para “além de ter uma cobertura rádio abaixo do desejável”, fica abaixo dos 10 Mbps em 50% dos testes com downloads e abaixo dos 4 Mbps em 25%.

Já em Évora, as velocidades médias de download foram de 68,5 Mbps para a Meo, de 53,7 Mbps para a Nos e de 50 Mbps para a Vodafone, enquanto as de upload foram de 12,4 para a Nos, de 8,4 Mbps para a Meo e de 8 Mbps para a Vodafone. Um quarto dos testes realizados na Nos obteve velocidades inferiores a 4 Mbps e um quarto dos testes da Vodafone registou velocidades entre os 4 e os 10 Mbps.

“O teletrabalho com estas velocidades é claramente muito difícil, é impossível fazermos videochamadas”, realça Fábio Silva.

Os maus desempenhos verificados no terreno são também confirmados pelo presidente da junta da União de Freguesias de São Sebastião da Giesteira e de Nossa Senhora da Boa Fé, Redolfo Pereira, que acrescenta, ainda assim, que “o cenário na realidade ainda é mais negro, porque o estudo [da Anacom] foi feito das oito da manhã às oito da noite, e é a partir dessa hora e até à meia-noite e fim de semana”, alturas em que mais pessoas se encontram em casa, que a pouca capacidade das redes se torna mais notória.

O autarca refere ainda que a luta para investir, captar e fixar pessoas e manter serviços públicos abertos é contínua e se torna ainda mais difícil com a falta de qualidade nas comunicações.

“Neste momento, tenho na freguesia uma zona industrial que está disponível para fixação de empresas, no entanto, uma questão primordial é o acesso às comunicações”, acrescenta, salientando que se trata de um problema que a junta não poderá resolver sozinha.

A Anacom está, no entanto, convicta de que as obrigações impostas pelo leilão 5G vão fazer com que os problemas de cobertura e de baixa velocidade de Internet móvel, verificados nas freguesias com menos população, se comecem a resolver até ao final deste ano, uma vez que os operadores Nos e Vodafone vão ter de garantir velocidades de 100 Mbps a 75% da população dessas freguesias e a Meo, por ter comprado menos espectro do leilão, vai ter de assegurar velocidades de 50 Mbps nos mesmos locais.

Não obstante, o presidente da Anacom, Cadete de Matos, recorda que as empresas podem utilizar acordos de roaming (que permitiriam aos utilizadores recorrerem à rede de outros operadores quando a do seu prestador tem um pior, ou inexistente, desempenho), sendo esta uma forma de cumprir as metas de cobertura com um investimento mais reduzido. Caso já houvesse roaming nacional em Vila Viçosa, poderia ser obtida uma cobertura de rede agregada “aceitável” em 89% do território, melhorando de 62,2% o pior caso no concelho, verificado na rede Nos.

Os acordos de roaming poderiam permitir que, em Évora, a cobertura agregada fosse de 85,9%, que compara com os 66,7% da Meo, o pior caso do concelho.

Existem também problemas na rede fixa.

“Ninguém percebe muito bem como é que isto funciona; por exemplo, na freguesia de Pardais tenho fibra, mas só para empresas, não tenho fibra para as pessoas”, conta o autarca de Vila Viçosa, lamentando a situação.

As “zonas brancas”, isto é, áreas onde praticamente não existe cobertura de rede de fibra, também foram analisadas, tendo sido encontrados pela Anacom 1233 alojamentos familiares em Vila Viçosa e 1222 em Évora. Esta situação poderá vir a ficar resolvida dentro de três anos, uma vez que o Governo pretende lançar ainda este ano o concurso público para as redes de alta velocidade das zonas que não têm cobertura.

 

Fotografia de doutorfinancas.pt