Está aqui

Artigos publicados

VINHETA DE AUTOCARRO I

(Conto em três partes)

Chamava- se António. António Mendes. Era assistente operacional da Câmara Municipal e não era um homem feliz. Não encontrava felicidade nos livros que recolhia nem nas revistas que, avidamente, folheava, dia após dia. Nada que o pudesse fazer passar de um homem triste e fechado sobre si mesmo para um homem ambicioso e feliz.

OUTONO

As árvores começam a ficar empolgadas com a mudança. Sabem que vão ficar com cores diferentes. Castanhas, amarelas, um verde disfarçado de quase vermelho, as folhas, as roupas, a sua folhagem que daqui em diante se desnuda e veste de noiva no inverno.

NÚMEROS PRIMOS

Eram dois primos. O Zé Sete e o António Onze. Eram primos por parte da mãe e tinham nascido na mesma aldeia do distrito de Beja. Moravam na mesma rua, com um intervalo de três casas entre eles. Eram, além de primos, muito amigos e tinham, desde que nasceram praticamente, brincado sempre juntos e passado tempos e tempos fazendo corridas de carrinhos de rolamentos na eira perto da aldeia. Um, como dizia o sobrenome, tinha sete anos e o outro onze. Isto para não divergir do que até aqui se tem dito das famílias.

CAMPOS ALENTEJANOS

Não há coisa mais bonita do que um campo doirado e roxo misturado no meio das árvores. É um tapete colorido como os de Arraiolos, tão perfeito e tão bem desenhado que é o segredo da sua construção. Não parece haver nele grande ciência escondida, mas há. Como parece não haver segredo na disposição das estrelas dos céus, desenhadas em perfeição e colocadas no sítio certo, o segredo que as junta foi descoberto há tantos e muitos anos quantos a civilização humana.

UMA PAUSA

Faltavam poucos minutos para as cinco horas da tarde e estavam várias pessoas na paragem de autocarro à espera do dito cujo. Um homem, de gabardine cinzenta escura, debotada nas mangas e no colarinho. As calças, de sarja, eram também cinzentas e estavam vincadas mas não se diferenciavam de todas as outras que estavam ao seu lado. Ninguém falava com ninguém. Era essa a regra. Não se conheciam e não se queriam conhecer. Para quê trocar palavras com pessoas que não voltariam a ver. Para que gastar saliva. Cada um tinha os auriculares postos e ouvia as coisas que ouvia.

É FEITIO…

Há coisas que o vento deixa passar e outras coisas que a tempestade segura, agarrando-se com ventos e águas. Não é defeito, é feitio. Há pessoas que são em si uma tempestade, um turbilhão de movimentos e uma tempestade que se agita em volta de si próprio. Não seguindo todas o mesmo princípio, tornam-se estas tempestades em pequenos copos de água. Não é defeito, é feitio.

VIAGEM DE BARCO

O mar parecia um espelho. Calmo, plano, sem qualquer tipo de ondulação ou toque de brisa. Ao olhá-lo via-se o céu e a nossa cara refletida como se fossemos um Narciso apaixonado por si próprio. Nesse mar calmo, apetecia-me navegar além das ilhas verdes e rochosas que se plantavam, além da minha imaginação e navegar dentro dela, como se eu próprio estivesse na minha cabeça e a navegação fosse feita à vista, dentro dela, sem astrolábios ou materiais de navegação.

A PROFESSORA NOVA

Chegava o mês de outubro e era altura de os moços e as moças voltarem à escola e àquela azáfama dos cadernos e dos livros novos que haviam de chegar à papelaria e depois seriam transportados para a Escola que ficava lá no meio do monte. Os moços e as moças da aldeia tinham passado mais ou menos três meses de férias. Nesta altura as férias de verão eram longas e longas e quando estavam a chegar ao fim, parecia que tinham começado no dia anterior.

CHARRUAS

Eram dois irmãos, o Sertório e o Viriato. O Sertório fazia musculação e o Viriato tinha uma charrua e um par de bestas. Não moravam no mesmo sítio nem se conheciam. Tinham sido separados à nascença e eram muito diferentes, apesar de gémeos homozigóticos. Chamavam-se assim por causa dos antigos, esses generais pré-romanos. Os pais tinham tentado cuidar dos dois irmãos mas as circunstâncias da vida levaram todos a caminhos diferentes. Nem um se voltaria a encontrar, até ao dia em que aqui se relata nesta breve crónica.

O GELADO

Ice cream… I scream… Era um dia daqueles tão quentes mas tão quentes que até as Fénix depois de congeladas entravam em combustão, fechada dentro de uma arca congeladora, onde o gelo evaporava com o calor, tudo derretia. Apetecia-me tanto um gelado fresquinho, um mesmo uma garrafa de água. Vou a caminhar, debaixo de uma torreira de quarenta e tal graus, tenho gotas de suor a cair pelo corpo, as minhas miragens transformam-se todas em gelados fresquinhos de uma qualquer marca que não menciono para não fazer publicidade, mas apetece-me um ice cream ou uma garrafa de água fresca.

Páginas