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Ricardo Jorge Claudino

Os mil e um lírios

Por Ricardo Jorge Claudino

Era uma vez um lírio, 
vizinho de muitos outros; 
era roxo, alto e cheiroso: 
era o lírio mais diferente de todos. 

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Não falava nem escutava 
nem tão pouco sabia ler; 
o que tinha este lírio 
de tão especial que o fizesse valer? 

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O fotógrafo parou o carro 
seduzido por mil e uma cores 
tentou capturar o momento 
mas a máquina não fitava as flores. 

Ó Sol que raias p´la manhã

 

Ó Sol que raias p’la manhã cedinho,

aceita estas nossas graças, 

por mais um dia com saúde 

e aquece o nosso caminho.

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Alimenta a terra cultivada, 

mas tem avondo com a tua força,

não nos leves tanta água, 

e apoia a nossa empreitada. 

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Quando o meio dia bater 

e alcançares o teu esplendor, 

lembra-te que a teu redor 

O Relógio do Sol

Por Ricardo Jorge Claudino

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No meio urbano 

todas as horas contam, 

porque todos os minutos 

e todos os segundos 

são contados.

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A vida da criança da cidade 

tem o mesmo fulgor 

que a vida do adolescente, 

do adulto e do velho, 

em seu redor. 

.

A criança da cidade 

tem um relógio 

O Miradouro da Recompensa

Por Ricardo Claudino

 

Ao subir o pequeno monte que a planície erguia,

fitava a linha que separava o céu do chão.

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As minhas pernas, cansadas,

espelhavam a incerteza

sobre a recompensa

no final da imponente subida.

Quanto maior a inclinação do monte

mais os pés sentiam,

mais o coração sonhava.

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Que prémio me esperava?

Sentia a confiança

de um ciclista de montanha

e trazia a certeza

de que um terreno no Alentejo

nunca poderia ser tão inclinado

Perder para ganhar

Por Ricardo Jorge Claudino

Perco-me;

às vezes nas palavras,

frequentemente no interesse.

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Todos os dias

insisto em me perder no tempo.

E perco-me nas ruas

das maiores cidades do mundo;

não com tanta frequência

como todas as vezes que me perco

nas travessas das mais pequenas

aldeias alentejanas; também elas

perdidas no tempo, embora

não por vontade própria.

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Também me perco

nas lembranças que se

perdem de mim.

Lembro todos os meus avós

A sombra e o chaparro

Por Ricardo Jorge Claudino

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A sombra do vento

cai sobre o chaparro;

fico com a sensação

de que o calor, exausto,

se deu por vencido.

Apenas aqui me sento

porque um alentejano

só se senta para pensar.

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O vento sopra

e a sombra abraça-me.

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Penso em negar-lhe o momento;

atroz este meu pensamento

que espera sempre mais

de quem dá menos.

.

Talvez tenha sido uma má escolha;

— mea-culpa,

há mais chaparros nesta terra e

Para Além do Tejo

PARA ALÉM DO TEJO

Por Ricardo Jorge Claudino

(entre a batalha de Ourique e a chegada a Calecute)

A sul do Tejo

fica a terra que a norte

se via muito para além

do tempo.

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A jovem nação,

refém entre vales e serras,

Interior

Por Ricardo Jorge Claudino

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A família está toda reunida em volta da braseira

que quente vai soprando a fria noite de lua cheia.

Enquanto uns conversam outros beliscam o pão,

o toucinho, o queijo e o vinho; são onze e meia

e juntos celebram o inverno que quis ser verão.

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Enquanto o ar quente sobe

a braseira tenta acompanhar o calor da conversa.

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Vão chegando do trabalho, cada um a seu ritmo;

penduram os casacos nas cadeiras vagas

e rápido procuram vaga na roda das conversas.

Dialecto Alentejano

«Apoquentada» vive a preocupação
e quem «abalou» foi-se embora;
«amanhém» chega o amanhã
e para «drumir» nunca mais é hora!

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Uma «carga de fezes» é trabalho
e um «emparvatado» parvo está;
«pantomineiro» é quem diz mentiras
«Velhaca» é gente muito má!

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«Alembradura» é uma lembrança,
«moidêra» é uma grande chatice,
«bodegas» não têm importância,
«assomar» à janela é bisbilhotice!

As voltas de um ciclo

I - 1960’s

O Alentejo é uma imensidão de gente.

Do litoral ao interior,

em cada casa, em cada aldeia,

há vida que canta alegre e arduamente.

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A grande metrópole inveja a simplicidade.

Os feriados de cada terra

dançam até de madrugada,

no baile e na festa celebra-se a felicidade.

 

II - 1980’s

O Alentejo ainda é uma imensidão de gente.

Esta gente faz planos

em prol da terra mãe,

a mesma que um dia brotou a sua semente.

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