Está aqui

Ricardo Jorge Claudino

O lugar

solto-me na imensidão

que mergulha os meus olhos

 

sobreiros caminhando pelo tempo

rebanhos na azáfama do dia

campos dourados de trigo

dão luz a quem lhes dá vida

 

sei que aqui estou

quando os horizontes

se cruzam com a origem

 

todas as histórias têm um lugar

este é a liberdade

na grandeza do Alentejo

onde o olhar beija a saudade.

 

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Sobre o 10 de Junho

Tenhamos consciência do que sempre fomos,

E que nunca mais se viva o que já foi vivido.

Se do cavaleiro brumoso esperarmos retorno,

Jamais o caminho em frente será cumprido.

De nuvens baixas vive a promessa do nevoeiro,

Lutemos por um céu limpo e azul, por inteiro.

 

 

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As oliveiras e o tempo

As oliveiras falam através do tempo.

Não é por isso que as invejo;

é, sim, por terem passado

por tanto ou tão pouco,

sem nunca moverem raízes.

 

Escuto-as

sem pressa de abalar.

 

Ramos milenares sustentam

os mais atrevidos pássaros cantantes;

A mando de quem vieram

para me agoirar?

 

Nesse instante

o tempo faz-se.

 

Percebo que tudo é parte da melodia.

Os pássaros, as galinhas, os perus,

os cães, os porcos, os leitões, as ovelhas,

nós e tu.

 

O que fazer no Alentejo?

Assistir ao brotar de um grão de trigo
e pela primeira vez pensar
na derradeira sorte
de ter pão e vida.

 

Imagem de casaredo .com

 

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O Grande Lago

Neste lago de infinitas polegadas

peço explicações a todas as minhas

reflexões.

 

Foi por escutá-lo que entendi

as suas ondas ténues falantes,

formadas de gota em gota,

tal como humanos se formam

de palavra em palavra:

 

— Somos um espelho;

reflectimos nos outros

o que reflectem em nós.

 

 

Liberdade

Se pudesses escolher

que cor darias à liberdade?

 

Tens a certeza?

Mesmo depois de te ensinarem que

vermelhos são os campos,

verdes são os lírios e

azul é a tempestade?

 

A tua liberdade

é do tamanho do livre-arbítrio

multiplicado pela vontade.

 

Nunca uma coisa tão real

foi tão infinita

e nunca o infinito

foi tão limitado

para se tornar essencial.

 

Anda, vem brindar connosco;

— quem é livre de festejar

toma a sua liberdade por gosto!

O provérbio Talvez

Se não existisse o “às vezes”

A voz

Cantam vozes

pela solidão do povo;

porque quem canta

fá-lo pelos males que espanta

e por sonhar um caminho novo.

O prometido

foi-se prometendo;

a grandeza latifundiária

heterogénea e ordinária

nunca foi bom remendo.

O mundo é cobiçado

pelos que querem mandar;

mas é o cante pela alma cantado

neste tom tão solene e honrado

que faz do Alentejo propriedade.

 

 

Imagem de noticiasaominuto .com

Eco

O final de tarde a chegar

o vento que vagueia no monte

a história de tudo o que já foi.

 

Na luz da imagem

corre apressadamente

o tempo.

 

Felizmente há som

dançando sozinho

em velocidade menor.

 

O som ecoa

onde a luz reflecte.

 

Tudo existe:

o passado promete.

 

 

Imagem de ebdinterativa.com. br

 

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O soneto do outeiro

Se a pomba aterrasse no outeiro

Sob o meu olhar de vigia distante,

Ler-lhe-ia o bilhete do pombo-correio

Que traz boas-novas de um voo errante.

Contar-lhe-ia toda a verdade

Sobre o céu, a aerodinâmica e o amor,

Pois nada é maior do que a vontade

De trazer na asa a mais serena flor.

Se fosse adivinho,

O pombo-correio voaria mais baixinho

Para encurtar caminho.

A planície coraria primeiro

Todo o planeta seria vermelho;

— Ah, se a pomba aterrasse no outeiro!

 

 

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