19 Outubro 2014      01:00

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Uma Europa anquilosada

Abro esta minha oportunidade junto do Tribuna do Alentejo, a quem desde já agradeço pelo voto de confiança, na esperança de a merecer integralmente, com uma temática que me parece estar na berlinda do mundo contemporâneo, a Europa e o seu posicionamento geo-político no dealbar do século XXI.

Sensivelmente de há uma década para cá que a Europa vive momentos de alguma incerteza, misturados com elevadas doces de individualismo entre Estados e, aventemos também uma total ausência de geo-estratégia para o futuro.

Na actualidade ouvimos comummente falar da crise financeira que tem assolado a Europa de lés-a-lés desde 2007, trememos com notícias diárias subjacentes à epidemia do Ébola, do interminável e dramático episódio dos emigrantes ilegais do Norte de África e sua travessia no Mediterrâneo, da relação diplomática e económica com a Rússia de Putin, da dependência energética, do crescente afastamento do Reino Unido, da ausência de um exército europeu digno desse nome e da intermitência da OTAN [para alguns NATO], da ausência de uma política diplomática e de relações internacionais inequívoca que poderia ser mais assertiva na gestão da problemática da Síria e Iraque, da inconsistência na afirmação de novos estados [Kosovo já confirmado, Escócia suspirando e Catalunha na calha], alimentados por autodeterminações baseadas em argumentações pouco amadurecidas, da crescente redução da auto-suficiência alimentar, da tibieza das actuais lideranças europeias, da notória clivagem europeia em dois blocos Norte-Sul e um extenso rol de outras mais questiúnculas e diferenças entre estados europeus que nos fazem ter uma percepção de uma Europa sem rei nem roque.

anquilosada

E no meio desta panóplia de dialécticas e problemáticas donde se ressalta a crise económica e o consequente aumento das taxas de desemprego pela Europa fora, assistimos quase impávidos e serenos a um aumento exponencial das extremas-direitas que vão brotando como cogumelos nas mais recentes batalhas eleitorais.

Estes tão inesperados, como indesejáveis resultados político-eleitorais, acabam por desvelar a excessiva máquina burocrática em que se tornou Bruxelas e o respectivo directório europeu, da décalage entre as vontades dos Estados nacionais e os desígnios dos protagonistas europeus, as políticas de austeridade nos países em crise em detrimento de maior investimento para a combater, do chocante nível de desemprego, mais alarmante entre os jovens, de um individualismo entre nações aparentemente inédito e sobretudo da falta de qualidade dos actuais líderes políticos europeus.

A Europa pré-crise financeira já estava em colapso orgânico e esta conjuntura só veio pôr em evidência latentes divergências suportadas por egos e irrelevância internacional da UE. Alguns países latino-americanos e outros da África Austral e Ocidental emergem, outras do Sudoeste Asiático já são autênticas confirmações no xadrez da economia mundial.

E essa destruturação que refiro entre a organização europeia pré-crise financeira deve-se em grande parte à secundarização do interesse europeu perante as cartilhas nacionais dos mais relevantes [França, Alemanha e Reino Unido no topo], da supracitada tibieza dos líderes de hoje [não me esqueço do episódio da nomeação de Durão Barroso para a Comissão Europeia e do prémio dado a Constâncio pelo exercício no Banco de Portugal], da crescente diminuição da capacidade produtiva da UE que acaba por desestabilizar a sua balança comercial, a pretensa política de equidade e justiça cega perante todo e qualquer conflito mundial acaba por pulverizar uma acção mais energética e objectivamente fazer perder importância na resolução dos mesmos.

A opinião do Brasil, da China, da Rússia, dos EUA, da França, Do Reino Unido, da Alemanha e até as cimeiras G7 e G20 valem muito mais na importância internacional que posições formais e comunicações da UE a 27. A lógica mandaria que em cada nova adesão à UE esta adquiriria maior peso internacional em todas as suas dimensões, mas esta UE vale mais por alguns países consideradas potências mundiais que pelo todo.

Este panorama geo-político traz-me sempre à memória aquelas comparações futebolísticas em que há grandes selecções e há outras boas com grandes craques. Portugal tem o melhor do Mundo, mas está longe de ser uma grande selecção, tal como a Espanha e a Alemanha sem grandes vedetas individuais, são indiscutivelmente das melhores selecções do Mundo.

E assim me parece esta Europa, onde há grandes potências que não somam nada ao vasto grupo de países médios que compõem a estrutura UE, pelo contrário pela sua dimensão económica e política e interesses muito singulares esvaziam o conjunto desta comunidade de estados.

Se o caminho se faz caminhando, é altura dos líderes europeus saírem dos bafientos escritórios de Bruxelas e olharem verdadeiramente para a causa europeia e seus concidadãos com olhos de ver.