24 Janeiro 2015      18:47

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Relatório Stratfor - A ascensão da extrema-direita na Europa

O que justifica a ascensão da extrema-direita um pouco por toda a Europa?

É certo que a esquerda conseguiu nestas últimas eleições europeias alguns bons resultados mas não tão bons que sejam capazes de interromper a ascensão lenta mas consistente dos partidos da direita mais à direita. Atente-se para a crescente popularidade da Frente Nacional de Marine Le Pen em França, mas também ao dinamismo dos nacionalistas na Dinamarca, Áustria, Finlândia, Holanda, Suíça e Sérvia.

Em França e na Dinamarca estes movimentos já atingem um quarto dos votos e na Áustria um quinto. Na Grécia o Aurora Dourada e na Hungria o Jobbik ganham direito a manchetes nos jornais mundiais tanto pelas suas posições neofascistas extravagantes como pela crescente popularidade entre faixas cada vez mais significativas de eleitores.

Se é certo que estes resultados ainda colocam muito distante a hipótese dos extremistas de direita chegarem ao poder executivo, também é certo dizer que estes números seriam impensáveis há alguns anos.

Embora tradicionalmente anti-imigrante, estes partidos e movimentos nutrem simpatias pró-russas. Não porque admirem a Rússia mas mais por se reverem em Vladimir Putin, um nacionalista reaccionário, em negação com os equilíbrios pós-guerra fria, que pensa em termos de nações étnicas em vez de Estados pós-nacionais. Tal como a Rússia de Putin, estes movimentos e partidos sentem receio do número crescente de imigrantes, particularmente dos muçulmanos, e usam-no eleitoralmente.

Mas o que explica este fenómeno?

Décadas de imigração de países norte africanos islamizados e de países em desenvolvimento que alteraram as sociedades anteriormente mais coesas e mono-étnicas na Europa. Depois a crise económica que afecta muitos países da União Europeia, com anos e anos de crescimento negativo e taxas elevadíssimas de desemprego. A que se juntaram as impopulares políticas de austeridade, que acabaram por combinar tensões económicas e sociais e que resultam num processo de degradação das Instituições Europeias e da sua legitimidade. Putin é um desafiador deste poder europeu e como tal atrai as simpatias eurocépticas e antieuropeístas.

A Europa económica, social e política em construção, com capital em Bruxelas, representa porém algo mais profundo a que estes partidos e movimentos de direita se opõem visceralmente e que é o projecto da velha social-democracia histórica de uma União Europeia pós-nacional, organizada durante décadas em torno do princípio de Estado Social e suportada em elevados impostos e orçamentos de defesa muito magros.

A elite burocrática de Bruxelas está inculcada muito mais das atitudes da esquerda tradicional do que da velha direita conservadora e isso não deve surpreender na medida em que é possível encontrar nela muitos membros do movimento de protesto estudantil dos anos de 1960 entre os eurocratas mais velhos.

Ironicamente foram os elevados orçamentos de defesa norte-americanos durante os anos da Guerra Fria que suportaram o guarda-chuva de segurança da Europa contra a extinta União Soviética, deixando os governos europeus financeiramente livres para a execução de programas e políticas domésticas mais caras, como as de carácter social, normalmente mais identificáveis com a esquerda.

Como a crise económica prolongada no continente europeu está a minar a reputação da União Europeia, com ela subtilmente se vai arruinando a reputação dessa esquerda do projecto comum europeu. O resultado mais evidente parece ser mesmo o de uma esquerda moribunda como força utópica ou romântica (com a excepção notável da Grécia). Assim, num período de stress económico e social, a esquerda parece não inspirar tanto como a direita.

O fascínio nos velhos partidos comunistas da Europa Ocidental, que outrora dominaram a opinião publicada em 1960 e 1970, no auge da Guerra Fria, é neste momento coisa do passado remoto.

A Guerra Fria, importa lembrar, teve muita proximidade com a Segunda Guerra Mundial. De facto surge como continuidade da Segunda Guerra Mundial. E esse foi o período negro para a direita conservadora, arrasada pela então recente acção de Hitler e de Mussolini. Porém e à medida que o fumo da Segunda Guerra Mundial se dissipava um establishment político sério e moderado procurava encontrar caminho através da crise económica o que permitiu a recuperação desta direita conservadora, colocando-a novamente em situação de igualdade com a esquerda progressista.

Em certa medida a ascensão da direita na Europa indica que o efeito da longa guerra europeia de 1914 (I Guerra Mundial) a 1989 (Queda do Muro de Berlim) terminou. O que consubstancia um tabu contra o neo-fascismo. E este parece ser o grande perigo.

Como atenuante deste perigo temos a própria globalização na forma das novas tecnologias da informação, transporte e comunicação, que sendo capaz de capacitar grupos sub-estatais, unidos em alguns casos por etnia, também será capaz de capacitar novas formas de identidade, mais complexas porque não fundamentadas na geografia. O que pode significar que os nacionalismos étnicos de direita que actualmente se espalham um pouco por toda a Europa serão apenas uma versão ténue e muito diluída daquela que se apoderou do velho continente em 1930.

Por outro lado o envelhecimento da população europeia e as taxas de natalidade quase nulas, a par dos fluxos da imigração do mundo menos desenvolvido continuarão a atiçar aquele tipo de medo que empodera os partidos nacionalistas com base na etnia. O prolongamento da crise económica só agravará a situação. Tanto os eurocratas de Bruxelas com os governos nacionais em apuros terão dificuldades em fazer os ajustes necessários que coloquem a Europa na linha do crescimento robusto.

Para os povos europeus a sensação de segurança política, social e económica enfraquece em todas as frentes e nestas circunstâncias a esquerda parece ter mais dificuldades em afirmar-se na medida em que está impedida de mobilizar com base em apelos atavicamente emotivos.

A ascensão do nacionalismo étnico na Europa de 1930 fez estalar a guerra entre os estados europeus. Não parece que a ascensão do nacionalismo étnico do século 21 leve ao mesmo. Em vez disso veremos antes o surgimento de microestados com a Escócia ou a Catalunha.

Uma Europa unida, mas economicamente moribunda, cujo poder está parcialmente transferido das capitais nacionais para Bruxelas, pode propiciar o florescimento de identidades sub-estatais em determinadas geografias.

Porém poderemos assistir a um certo bloqueio dentro dos próprios Estados, onde sociedades multiculturais limitarão o poder a eventuais governos nacionalistas. Ora governos pouco fortes, orçamentos em defesa muito baixos e forças armadas reduzidas ao essencial demoverão todo o tipo de acções bélicas com os estados vizinhos.

 Além disso a ameaça russa à Europa Central e Oriental acabará por se amenizar já que a própria Rússia não só enfrenta problemas internos do foro económico e social como verá reduzido o seu poder nos mercados de energia no futuro. O que diminuirá a influência de Moscovo sobre a Polónia e sobre os estados bálticos.

Em suma, a ascensão da direita nacionalista é parte de uma narrativa acerca do declínio da Europa e do seu lugar no mundo, ultrapassada pelas economias asiáticas muito mais dinâmicas.

A esquerda europeia não teve soluções para a crise atual nem tampouco as terá a direita nacionalista. É normal que lugares em relativo declínio façam manchetes. Parece ser esse o caso da Europa, agora.

 

Uma análise de Robert D. Kaplan, Analista Chefe de Geopolítica para a Stratfor