8 Fevereiro 2014      22:44

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Igualdade e justiça na sala de aula

Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros.” - G. Orwell

Se esta é uma das frases mais conhecidas de Orwell, será também uma das mais carregadas de ironia. Ao escrevê-la em “Triunfo dos Porcos” (original “Animal Farm”) Orwell quis demonstrar a hipocrisia de um falso regime democrático e igualitário, evidenciando que por trás de alguns regimes esconde-se a corrupção e um “modus operandi” nem sempre condizente com os princípios publicitados pelos líderes. Até parece atual…

Ao recorrer a esta citação, para falar de educação, faço-o sem qualquer ironia.

Em sala de aula, para existir justiça não pode existir igualdade. Para ser justo, um professor não pode ser igual para cada um dos alunos; tem que dar a cada a um aquilo que ele precisa e não aquilo que eventualmente dará aos outros. Cada aluno terá as suas necessidades e dificuldades e o ensino, tal como o idealizo, deve responder a isso. Não são aparelhos numa fábrica de produção em série, são seres humanos e únicos.

É claro que uma educação individualizada é perfeita utopia, no entanto, e digno de séria preocupação, é a inexistência sequer de uma medida que minimize os danos.

Mas saiamos da sala de aula, passemos a um nível macro. O que pode o Ministério da Educação fazer para ajudar a este ajuste às necessidades dos alunos? Muito e de modo simples. Se partirmos do princípio que cada aluno é diferente de outro, as necessidades de um aluno alentejano, de uma escola alentejana, serão muito diferentes de um aluno de Lisboa, ou de uma escola de Lisboa. Assim, deve ser dada mais autonomia primeiro às antigas direções regionais e, em segundo, às escolas. As primeiras devem adaptar-se às realidades regionais; as segundas às locais.

Dou-vos um exemplo: para a existência de uma disciplina de opção, por exemplo geometria descritiva, o ministério exige um mínimo de 20 alunos. Um aluno que deseje ter essa disciplina tem inscrever-se na escola, no final do ano letivo anterior à frequência da disciplina; logo aí, à partida, muitas escolas não aceitam a inscrição porque não oferece essa opção. Em segundo plano, se a escola aceitar a inscrição, só existirá a disciplina se mais 19 alunos desejarem o mesmo. Na escola de Lisboa, num universo total de alunos muito superior à escola alentejana, a probabilidade da existência de número de alunos suficiente para essa disciplina é imensamente superior à da alentejana. Mais, se mesmo assim não existirem os 20 alunos interessados, o aluno de Lisboa poderá apanhar o autocarro da linha 33 e em 20 minutos tem uma escola com a opção que deseja. O aluno do interior não; aqui, a rede escolar é mais dispersa e o aluno alentejano, cujos pais pagam os mesmos impostos que os pais dos alunos de Lisboa, não pode ter a disciplina que deseja, ou para a ter poderá ter que passar uma a duas horas diárias só em transporte. Aqui, uma vez mais, igualdade não é justiça. Para haver justiça, o número de alunos necessário para a existência de disciplinas optativas deve ser proporcional ao número de alunos da escola ou do concelho.

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Já em sala de aula, o aluno com mais dificuldades deve poder ser alvo de soluções para as suas necessidades. No entanto, a existência de 30 alunos dentro da sala de aula faz com essa atenção, com essa individualização do ensino, seja quase impraticável e impossível. E chegar aqui leva-me a um outro ponto, os alunos com Necessidades Educativas Especiais. Assumo como uma das minhas maiores frustrações profissionais o fato de muitas vezes não me sentir útil e capaz de responder às necessidades de muitos dos alunos com necessidades educativas especiais e vejo-me muitas vezes dividido entre dedicar a atenção as estes alunos (algumas vezes vários e com necessidades muito diferentes) e entre o restante grupo turma. Sendo que, tomando seja que opção for, estarei a ser injusto com algum. Claro está que em seguida posso equilibrar a balança novamente, mas não se estará a generalizar demasiado aquilo que se quer providenciar ao aluno, em vez de olhar para aquilo que o aluno necessita? Aqui, como em tantas outras coisas, o ensino está a desumanizar-se e um ensino assim, muito dificilmente produzirá bons resultados. No ensino, e se tivermos em conta pessoas mais que números, igualdade não é justiça.

Só mais uma nota: que raio de exame é este que alunos são obrigados a fazer, mas que terão que pagar se quiserem um certificado? Como se aceita uma coisa destas na escola pública? E as associações de pais e de estudantes não fazem nada?

(foto de dcJohn)