24 Janeiro 2015      19:18

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Especial Tribuna: as eleições gregas

"O problema não é a Grécia. O problema é a Europa. Se a Europa não muda o seu modo de atuar – se não reformar a Zona Euro e recusar a austeridade – uma reação popular será inevitável. A Grécia poderia manter esse rumo. Mas esta loucura económica não pode continuar para sempre. A democracia não o permitirá. Quanto mais sofrimento terá que suportar a Europa antes que se restabeleça o sentido comum?” - Joseph Stiglitz ao “El País”

Domingo, 25 de janeiro, será dia de eleições na Grécia. Os gregos irão escolher o próximo governo que, no caso grego, só poderá governar se tiver maioria (com coligações ou não). O recém-criado “Syriza” de Alexis Tsipras parte como o grande favorito, mas contextualizemos umas eleições gregas que têm sido alvo de uma atenção sem precedentes.

 

Pré-Crise e Crise

Em 2000 a Grécia integrou o Euro-grupo, membro da CEE desde 1981, os gregos passaram a usufruir dos benefícios da moeda única, mas foram sempre muito relutantes, senão mesmo aversos, a qualquer medida ou reforma do sistema que lhes retirasse regalias, e diga-se que eram muitas, como o facto de haver várias profissões onde se podiam reformar com 53 anos.

A Grécia e a sua população, como em muitos outros países do sul da Europa, recorria ao crédito para resolver todos os seus problemas – este erro é culpa desses mesmos países, mas também uma União Europeia que o promoveu – acumulando dívida após dívida debaixo dos olhos da Europa. Strauss-Kahn, líder do FMI, em 2008 chegou até a apontar a Grécia como um exemplo para os países sul-europeus por ser o único que estava a crescer e a ganhar produtividade com a globalização económica.

Regime democrático desde 1974, a Grécia viveu períodos de estabilidade política ora pela mão do Partido da Nova Democracia (direita), ora pela mão do PASOK (esquerda).

A desvalorização do “dracma”, a moeda grega, era uma estratégia recorrente – de 1979 a 1992 desvalorizou perto de 85% - até 1992, quando a entrada no Sistema Monetário Europeu veio estabilizar as moedas europeias.

Com o acentuar dos desequilíbrios da balança do Estado a pressão externa avolumou-se para se realizarem privatizações. Os gregos eram, na sua maioria, trabalhadores independentes que declaravam menos rendimentos que o que era auferido na realidade ou simplesmente não declaravam nada, levando a que dois em cada três gregos não pagasse os impostos corretos.

O mesmo FMI, que em 2008 apontava a Grécia como exemplo, vem em 2010 dizer que a Grécia estava em recessão e tinha dificuldades profundas, dependendo do crédito externo e fazendo notar o aumento galopante da dívida pública.

Novamente o FMI, em 2013, veio de novo a público reconhecer que subestimou o efeito que a austeridade – imposta pelo programa de resgate de 2010 – traria à economia grega e que devia ter restruturado a dívida grega por ser insustentável.

O Banco da Grécia, numa publicação do ano passado definiu a sociedade grega como tendo preferência pelo consumo em detrimento da poupança e que os governos governaram com olhos postos nas eleições e não na realidade do país. Um país que usufruiu das regalias do euro, mas nunca cumpriu as obrigações que isso acarretava.

Em 2008, o governo da Nova Democracia tentara fazer uma reforma do sistema de segurança social, mas quer oposição, quer população se opuseram fortemente.

Em 2009, de novo com o PASOK no poder, as contas revelavam-se erradas e o défice era de 14% e não de 3,7% como havia sido mascarado. A Europa, e essencialmente a Alemanha, realizaram então pressões para que a Grécia vendesse ilhas ou ruínas – numa demonstração de imiscuição de um país, na política interna de outro Estado soberano.

 

O sistema político

No sistema político grego, uma república parlamentar, onde o Presidente da República é eleito pelo parlamento - unicameral e com 300 deputados - que tem um mandato por cinco anos. Sempre que não existe uma maioria parlamentar são realizadas eleições. Os partidos com menos de 3% não têm representação.

No país berço da democracia, o partido vencedor das eleições recebe automaticamente um bónus de 50 dos 300 lugares no Parlamento, uma medida que visa a estabilidade governamental.

Os principais partidos

PASOK - Partido Socialista Pan-Helénico

Um dos dois grandes partidos históricos gregos. Estava no poder aquando da imposição das medidas de austeridade.

 

 Nova Democracia (conservadores)

Completamente cilindrado pelos socialistas em 2009, foi oposição, opôs-se ao memorando com a troika, mas é favorável ao resgate internacional.

 

 KKE - Partido Comunista

Era um dos partidos mais representados no parlamento. Defende a saída do euro e da União Europeia. Foi contra os termos do resgate internacional e tem liderado muitos dos protestos antigovernamentais.

 

“Syriza”

O “Syriza” era tido como uma coligação de esquerda radical. Constituído como partido há pouco mais de um ano, engloba eurocomunistas, ecologistas, trotskistas, sociais-democratas, entre outros. Foi inicialmente contra o resgate, mas à medida que foi subindo nas sondagens tem mostrado posições mais moderadas quanto aos compromissos assumidos.

 

“Aurora Dourada"

É uma formação neonazi, contrária à imigração e à Europa. Em crescimento.

 

 “To Potami” 

Criado em março do ano passado, o “To Potami” pode ser quem decidirá as eleições pela realização, ou não, de coligação. Liderado por um apresentador da televisão grega Stavros Theodorakis, o partido é pró-europeu e centrista, inspirando-se na social-democracia e liberalismo.

 

Contexto

Um artigo do “Observador”, “A crónica de uma tragédia moderna” situar-nos-á na Grécia atual, fazendo uma retrospetiva desde 2008.  

O que está em risco na Grécia é a queda dos partidos do sistema – ND e PASOK – num parlamento que, pela obrigação de maioria absoluta, sempre representou a uma maior abrangência democrática e de opinião, fruto das coligações indispensáveis.

O que está em causa na Europa, é a eleição de um governo na Grécia - país resgatado - que poderá rejeitar as políticas de austeridade, e isso pode ter possíveis efeitos contagiantes para outros países numa situação semelhante como a Espanha, ou até Portugal.

Aliás, a pressão exercida sobre o povo grego para não votar no “Syriza” não tem comparação nos sistemas democráticos europeus, precisamente pelo receio de contágio e de uma mudança que possa abanar a fundo as estruturas europeias. Até entidades económicas, com culpas e interesses na crise europeia, como o “Goldman Sachs”, têm tentado condicionar as opções gregas.

O “Syriza”, tem vindo a equilibrar posições e a tomar o espaço da social-democracia. Esta moderação e fuga ao radicalismo fundador é expresso nas várias entrevistas dadas por Tsipras ou Stathakis.

Yorgos Stathakis, o responsável pelo programa económico do partido, em entrevista ao ABC espanhol, afirma que se a dívida grega e as políticas de austeridade não forem revistas, que será mais difícil ao país resistir à crise, pagar e honrar os seus compromissos.

Enquanto o “Syriza” subia nas sondagens, a estruturas europeias, e essencialmente a Alemanha, fizeram subir o tom das ameaças, referindo que a possível saída da Grécia da Zona Euro seria irrelevante.

Tsipras escreveu um artigo de opinião para o Financial Times onde revela que que a Grécia volte a ser um país livre e democrático e aponta para um conjunto de medidas económicas que visam um equilíbrio entre a austeridade e a humanidade, devolvendo o trabalho às pessoas. Mostrou ainda a vontade do “Syriza” em fazer reformas estruturais e combater a evasão fiscal, bem como assegurar a justiça social e um programa de crescimento.

No discurso de encerramento da campanha, na Praça Omonia, em Atenas - na companhia de Pablo Iglesias do espanhol “Podemos”, ao som de First we take Manhattan, then we take Berlim" de Leonard Cohen- Tsipras deixou recados à Troika, à Alemanha e a Merkel.

Perante milhares de pessoas, Tsipras fez várias referências ao “Programa de Salónica”, o programa económico do “Syriza” – defende teto para todos os sem-abrigo, reinstalação da eletricidade às famílias que deixaram de poder pagar a conta, aumento do salário mínimo para os 750 euros, garantia de cuidados de saúde a todos os que ficaram desprovidos de seguro e ajuda alimentar a crianças, num total de custos de 12 mil milhões de euros. Defendeu a renegociação da dívida e apontou o combate à crise humanitária como um dos principais objetivos.

Pretendem negociar um perdão parcial da dívida, estabilizar o sistema fiscal e taxar em 75% os rendimentos anuais superiores a 500 mil euros.

Quando Draghi anunciou a compra de dívida pública para salvar a zona euro, classificou a dívida pública grega e cipriota como não elegíveis para compra, num cenário que "talvez mude em Julho", data em que os programas de resgate da troika aos dois países forem ajustados; esta medida foi vista por muitos como mais um fator de pressão sobre gregos.

Num clima de suspense europeu, que se sucede a um período de informação e contrainformação sobre o “Syriza” e as suas intenções, o clima interno também não tem sido pacífico, já que cerca de 100 mil jovens – uma faixa etária maioritariamente afeta ao “Syriza” – não poderá votar por não terem sido recenseados a tempo (as eleições acontecem agora por ter sido falhada a escola de um presidente, no Parlamento grego, em dezembro passado), o que já levou a acusações de intencionalidade das forças no poder.

Muitos temem que o ““Syriza”” se torne o novo partido socialista grego; mas, aos olhos da direita europeia, o “Syriza” é comunista, e têm sido muitas as vozes que temem que este partido empurre a Grécia para fora do euro, concretize um programa de nacionalizações e acabe por levar o país à bancarrota.

Factos são que os membros do “Syriza” se tratam por “camaradas” e que a rádio do partido inicia a emissão ao som da “Internacional Socialista”, mas, por outro lado, Tsipras tem-se afastado desta imagem e têm-se mostrado cada vez mais moderado, quer no discurso, quer nas intenções.

A propaganda anti “Syriza” tem sido ainda marcada pela enfatização do radicalismo e da inexperiência. A direita alerta para, em caso de vitória do “Syriza”, a Grécia abrir portas à emigração e o PASOK até fez um anúncio televisivo em que um piloto anuncia aos passageiros que vai voar pela primeira vez, levando-os ao pânico. A esquerda ataca ainda o “Syriza” referindo que tomarão medidas como desarmar a polícia, tomar controlo de depósitos bancários e afrontar a Igreja Ortodoxa.

A austeridade cega fez disparar a pobreza e o desemprego na Grécia, o número de sem abrigo aumentou e há muitos que se suicidam em desespero. As pessoas estão cansadas e defendem que se houver mais impostos e aumentar ainda mais a austeridade que o resultado será nulo pois não conseguirão pagar. Deram quase tudo o que tinham por se manterem no “Euro” e fica-lhes a dúvida: terá valido a pena?

Mesmo deixando em aberto que o “Syriza” possa não cumprir o que diz, o povo grego vê nele a única saída para o problema, a começar pelas faladas mudanças na economia e no trabalho, que colocam em causa todo o sistema económico e político.

O sentimento dos gregos é que pior do que está não ficarão e que alguma coisa tem que mudar.

 

Sondagens

Todas as sondagens apontam para uma vitória do “Syriza”, naquela que é uma mostra clara de vontade de mudança de política e dos atores habituais. Com um resultados entre os 31 e os 34%, o “Syriza” falhará, segundo as mesmas sondagens, a maioria absoluta, o que os obrigará a coligar-se com outro partido, ou partidos, para formar governo; tarefa que não se adivinha fácil.

O ND rondará os 27%, o KKE 5%, o “Aurora Dourada” 5,55 e “To Potami” 6%, mas ainda há cerca de 7,5% de indecisos. O PASOK, um dos partidos históricos registará somente cerca 4% e, apesar de não excluírem uma aliança com o partido de Tsipras, Tsipras recusa.

Este resultado do PASOK deve-se à responsabilização pela crise grega e ao facto de muitos dos seus quadros terem optado por integrar o “Syriza”, atraídos por um corte com o sistema de poder habitual e por uma frescura ideológica.

Sem maioria, o “Syriza” ver-se-á obrigado a coligar-se e se forem excluídas as forças dominantes do poder - PASOK e ND -, os comunistas do KKE – que continua a olhar para o “Syriza” como concorrência direta –, e os neonazis do “Aurora Dourada”, sobram duas opções válidas ao “Syriza”: o “To Potami” e os “Gregos independentes” – partido nacionalista e eurocético.

 

Pós-eleições

Tsipras e o “Syriza”, mais que prováveis vencedores das legislativas de domingo, terão a vida complicada.

Primeiro porque são um partido que nasce e cresce do desagrado, logo, desaparecerá se o mesmo desagrado se mantiver em relação ao seu trabalho e ao incumprimento das suas promessas.

Segundo, a velha Europa olha para o “Syriza” com desconfiança, já se falou na posição de Draghi e do BCE que só ajudará a Grécia se se mantiver o cumprimento do programa de resgate previamente negociado.

Já em Fevereiro, o novo governo terá que negociar com a “troika” os moldes em que o memorando terminará e terá que iniciar a aplicação de reformas. E, no verão, os gregos terão que pagar cerca de 50 mil milhões de euros de empréstimos.

Diz-se nos bastidores da política grega, que os especialistas do ND prepararam esta situação de modo a que o “Syriza” se autodestrua, reconquistando em seguida o poder.

Contudo, e se esta possibilidade for real, os nacionalistas neonazis da “Aurora Dourada” poderão também ver reforçada a sua posição e ter uma palavra a dizer no futuro da política grega.

Domingo, 25 de janeiro, cerca das 17 horas em Portugal, já haverão mais certezas.

 

 

Mais informação em:

A Grécia antes da Crise: http://observador.pt/especiais/que-pais-era-grecia-antes-da-crise/

Partidos Gregos: http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=2488114&seccao=Europa

11 coisas que se dizem em Atenas antes das eleições: http://observador.pt/2015/01/21/11-coisas-que-se-dizem-em-atenas-sobre-proximas-eleicoes/

Crónica de uma tragédia moderna: http://observador.pt/especiais/cronica-de-uma-tragedia-moderna/

O que levou às eleições: http://www.publico.pt/mundo/noticia/grecia-falha-eleicao-de-presidente-e-vai-ter-legislativas-antecipadas-no-inicio-de-2015-1680697

Artigo de opinião de Tsipras ao Financial times: http://www.ft.com/intl/cms/s/da236d24-9ff9-11e4-9a74-00144feab7de,Authorised=false.html?_i_location=http%3A%2F%2Fwww.ft.com%2Fcms%2Fs%2F0%2Fda236d24-9ff9-11e4-9a74-00144feab7de.html%3Fsiteedition%3Duk&siteedition=uk&_i_referer=#axzz3PRM8W8XS

Entrevista ao responsável do programa económico do “SYRIZA”:http://www.abc.es/internacional/20150121/abci-entrevista-responsable-programa-economico-201501201952.html

Saída da Grécia do Euro http://www.spiegel.de/international/europe/merkel-and-germany-open-to-possible-greek-euro-zone-exit-a-101

Último discurso http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=4357959

Um membro do “Syriza” no poder: http://observador.pt/2015/01/22/um-membro-do-”Syriza”-ja-chegou-ao-poder-chama-se-rena-dourou-e-governa-2-milhoes-de-gregos/

Economia grega:http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/gregos_deram_quase_tudo_pelo_euro_valeu_a_pena.html

Sondagens:

 http://expresso.sapo.pt/”Syriza”-mais-perto-da-maioria-absoluta-na-grecia=f907007#ixzz3PkdOO6UY

http://www.ionline.pt/artigos/mundo/grecia-”Syriza”-volta-dominar-sondagens-poucos-dias-das-eleicoes

http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/bolsa_grega_valoriza_mais_de_5_depois_de_decisao_do_bce_e_”Syriza”_destaca_se_nas_sondagens.html

http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/nova_sondagem_da_vitoria_ao_”Syriza”_com_4_pontos_de_vantagem_face_ao_nd.html

http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=798194&tm=204&layout=121&visual=49

http://economico.sapo.pt/noticias/”Syriza”-sai-reforcado-nas-sondagens_209125.html

 

Pesquisa, tradução e adaptação de Luís Carapinha