7 Dezembro 2014      23:25

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Big Show Sócrates e propaganda

Chegou a minha vez de falar de Sócrates. Mas já lá vamos.

Francisco Louçã, um político que respeito pela inteligência, e com o qual discordei em muitas coisas desde o momento em criou o Bloco, escreveu uma magnífica crónica (é substancialmente diferente de artigo jornalístico, é opinativa – o artigo jornalístico tem que ser isento, não dar opinião, certo?) sobre a qualidade, ética e isenção do jornalismo em Portugal, em especial sobre o caso Sócrates.

Louçã levanta ainda mais questões indo até à raiz do jornalismo: a investigação rigorosa e a deontologia da profissão. Claro que sabemos hoje – a sociedade, em geral, está mais educada – que nem tudo o que se vê nos telejornais é 100% verdade (pensei que era para isso que serviam as novelas de sopeira!). Aliás, existem hoje canais noticiosos onde muito pouco do que passa terá um fundo verídico, ou que, a tê-lo, é rapidamente deturpado em favor do sensacionalismo.

Mas nem mesmo o estarmos perante este tipo de imprensa faria pensar que a reação à prisão de José Sócrates fosse tão fortemente marcada pelo ódio; claro que o podem sentir, mas como jornalistas não o podem escrever.

Um jornalista não é um “opinion-maker”, mas sim um contador de factos. Um jornalista também é um educador, tem responsabilidade.

Ainda assim, jornalistas de renome escreveram nas suas páginas pessoais de Facebook coisas absolutamente reprováveis e que mereciam consequências judiciais por parte dos seus empregadores, não fossem eles também os promotores da má imprensa. Houve quem o fizesse às claras como o caso deManuel Carvalho, que, segundo Louçã, “exprimiu o mais desbragado ajuste de contas” ou Francisco Gonçalves, “editor do Mundo” no Correio da Manhã, e que escreveu que o ex-primeiro-ministro “nãoparece merecer melhor destino do que a prisão”, até porque “se há alguma coisa a lamentar no seu caso é que a detenção tenha chegado tão tarde”.

E a saga continuou no “Público” com João Miguel Tavares a presumir a culpabilidade de Sócrates devido às deduções que fez daquilo que leu na imprensa, e com José Manuel Fernandes que escreveu no “Observador” que “ a dúvida que havia sobre José Sócrates era sobre se seria algum dia apanhado”.

Se têm direito à opinião? Claro. Se a devem expressar quando escrevem opinião? Absolutamente. Mas é jornalismo não se cingirem aos factos concretos de que dispõem? Não.

Nesta verdadeira encenação do sistema, o objetivo foi sensacionalista e sem qualquer pudor ou vergonha; Felícia Cabrita, a jornalista que dispôs em primeira mão de todos os dados sobre a detenção de Sócrates, foi só e também a jornalista responsável pela biografia de Passos Coelho – pura coincidência. Tal como o óbvio e nada disfarçado aproveitamento político do mesmo que dizia não querer saber das eleições.

Uma má comunicação social pode induzir o povo ao carneirismo e promover propagandas menos próprias dos valores democráticos. Uma má comunicação social é mais propícia ao seu uso para objetivos ocultos e pôr a justiça e democracia em risco. Hitler tinha Goebbels para gerir a propaganda; o mesmo Goebbels que disse que “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Não sei será o caso no “Caso Sócrates”, mas ou o processo é claro e limpo ou a dúvida ficará sempre!

Disse ainda, Louçã que não se espera que os jornalistas tomem parte sendo porta-voz de defesa ou acusação e que devem tratar todos por igual, seja Sócrates, Salgado ou outro.

Claro está que Sócrates foi primeiro-ministro e isso lhe dá mais destaque; e além disso Sócrates é Sócrates e não deixa ninguém indiferente. Sócrates continua a vender bem (um pouco como Soares que celebra hoje 90 anos) e todos querem ir a reboque até à porta do Estabelecimento Prisional de Évora, uns pelo lucro e audiências, outros para se manterem politicamente vivos, outros para terem dois minutos de fama, outros, como o caso das “selfies” de adolescentes, só porque sim. Claro, também foram lá amigos; além de político é humano. Quanto aos presentes, até compreendo que não tenham deixado que lhe entregassem luvas e gorros, agora proibir o Barbas e o Máximo de levar o manto sagrado já é um abuso!

Pessoalmente, nunca simpatizei muito com a figura de Sócrates; não me enquadro, portanto, no perfil de “vira-casacas” de quem tinha uma estatueta de Sócrates e que num ápice lhe fez também um julgamento sumaríssimo só por juntar-se à “main-stream” das redes sociais e manter vivas aspirações de um dia ser qualquer coisa.

Não acho que quem esteve com Sócrates tenha que ser obrigatoriamente prejudicado por isso. Afinal, e se vier a provar-se a sua culpa, é a dele, e não a dos que estiveram com ele.

Ainda assim, e apesar de não gostar nada da atitude arrogante de Sócrates “do quero, posso e mando”, como apreciador de política, tenho que reconhecer que o homem Sócrates reúne um conjunto de características muito importantes em política e que estão em extinção: carisma, liderança, inteligência e não tem medo de tomar decisões. Isto utilizado a favor do bem comum teria feito de Sócrates um grande PM e que ainda estaria em S. Bento. No entanto, as decisões não foram sempre as corretas; o brilho que conseguiu atingir toldou-lhe a visão e faltou-lhe a humildade de reconhecer os erros (também ela digna de grandes lideranças).

A provar-se tudo aquilo de que o acusam, Sócrates estará num nível superior aos irmãos Dalton!

Em Portugal, ainda se presume inocente até que se prove o contrário; quanto ao juiz espero que faça como Sócrates disse (não este, o filósofo… ok, o grego): "Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente."

Agora voltem lá à vida normal, parem de abrir telejornais com a ementa do senhor, de inventar capas sucessivas com manchas de sensacionalismo e etc. Se era para isso tivessem enviado Sócrates para os estúdios da TVI como participante de um qualquer “Big Brother” ou “Casa dos Segredos”; ficaria mais barato ao Estado e haveria sempre alguém de olho; sabiam quando tomava banho, que marca de champô usa ou o que come ao pequeno-almoço.

Punam quem é de punir; absolvam quem é de absolver. Mas neste caso, a mínima falha é a morte do sistema judicial português.