22 Abril 2017      00:56

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VIRTUDES DO ALENTEJO

tomemos o pulso para a capacidade de liderança das suas gentes

 

«Um exército de ovelhas liderado por um leão é capaz de derrotar um exército de leões liderado por uma ovelha.» Mia Couto em a Confissão da Leoa

Se há coisa que consolidei nas minhas mundanas aprendizagens e tarefas paternas é o valor que o exemplo pode ter na assunção de ideias, gestos, trabalhos que se pretendem implementar e expandir a quem nos rodeia. Apresento este artigo também como tributo e evocação pessoal ao movimento cívico de cidadania e reflexão denominado Alentejo de Excelência - http://www.alentejodeexcelencia.com/.

Esta ainda jovem organização não-governamental, criada em 2008, em Évora, juntou desde o início jovens universitários alentejanos que pretendia abanar um pouco as consciências políticas, universitárias, culturais e jovens desse período. Faço aqui a excepção de personalizar um pouco para recordar o principal obreiro deste projecto que muito dedicou pessoalmente para o colocar sobre rodas.

Falo de Carlos Sezões, um eborense e alentejano indefectível que ousou agitar as águas de uma geração jovem que se desejava inspirar à reflexão e ao desenvolvimento do Alentejo. O Carlos via, pessoalmente e mais tarde, com grande sucesso note-se profissionalmente, a importância dos recursos humanos, da sua necessidade motivacional, da premência da inovação e do imperativo comunicacional. Criada a associação Alentejo de Excelência foi inaugurada a reunião de um grupo não profissional, mas militante na intenção de estimular o pensamento regional, a capacidade de liderança e a projecção de lógicas médio longo prazo, com o assumido desejo de capacitar o Alentejo de recursos humanos colaborantes com o desenvolvimento sustentável do Alentejo. Confesso que o alcance desta ideia e da sua organização promotora superou largamente os meus mais optimistas anseios. Pessoalmente, imbuído deste espirito do lugar e da intransigente e diligente defesa da nossa região, consciencializei-me da crucial importância da massa humana e do espirito crítico colocados ao serviço do combate aos principais problemas do Alentejo: mitigar os efeitos da desertificação, estimular o tecido económico no território através das potencialidades inatas do mesmo e apelando ao fomento económico consistente e continuado, criar capital humano para auto-gerir as organizações de poder que se debruçam sobre a gestão do território nas suas mais diversas vertentes, desmistificar dogmas económico-sociais locais antigos.

Passados 9 anos desde a fundação deste organização verifico com muito agrado que, pese embora o trabalho se mantenha necessário e actual, a Alentejo de Excelência mantem o rumo face a muitas destas premissas e, sobretudo passados 38 anos da reabertura da Universidade de Évora e da existência de outros dois institutos politécnicos no Alentejo, há muita matéria-prima humana para recolocar o nosso Alentejo na senda do sucesso e do desenvolvimento sustentável que durante décadas e séculos, por via quiçá, da vastidão do território, da fraca densidade populacional, da estrutura fundiária da terra e das grandes diferenças sociais, permitiram que esse fosse um sonho adiado, que não existisse capacidade crítica, de gestão da causa pública para envolver este terço do território continental de Portugal num plano ambicioso e modernista que esbatesse as suas diferenças face a outras províncias.

Constato com imenso orgulho que existe muita capacidade associativa ímpar no Alentejo, desde o desporto ao apoio social, desde redes económicas empresarias a causas tão meritórias como é a Sociedade do Bem - https://sociedadedobem.org/  - uma organização sem fins lucrativos que se centra no incentivo ao papel da cidadania activa e de estimulo as competências emocionais e sociais dos mais jovens. Esta associação criada por Susana Pedro, é um paradigma da valorização do exemplo como forma de alcançar o altruísmo, a positividade e a empatia junto dos mais jovens. É um flagrante caso de trabalho social, pedagógico e educacional em rede, estimulando além do incentivo de características desejáveis na formação do carácter de um jovem também um labor criterioso e complementar entre várias instituições e áreas de interesse. Não foi ao acaso que esta associação granjeou rapidamente distinção pública e atribuição de menções e prémios pelo trabalho desenvolvido. São estes dois casos excepcionais de Excelência que o Alentejo tem entre os seus recursos humanos e que adquirem para o território uma valorização e alcance muito superiores às suas meras fronteiras geográficas.

Existem depois inúmeros projectos em curso, muitas dinâmicas associativas, redes de partilha de conhecimento, empresas a fixarem-se na região, dezenas e dezenas de personalidades alentejanas que vingaram no país e no estrangeiro, nas mais diversas áreas de intervenção cultural, social e económica. Para se fazer cumprir o sonho de um melhor Alentejo, de um território mais coeso e cada vez mais sedutor para novos residentes, basta que muitas destas capacidades se unam, que muitos dos que falam e pensam o Alentejo se dirijam para onde podem efectivamente mudar o actual status quo. Falo naturalmente da dimensão política, onde a participação cívica é manifestamente ainda insípida e onde podemos guiar este território rumo ao sucesso.

Do ponto de vista político seja ao nível dos municípios, seja ao nível das lideranças regionais (CCDRs e Regiões de Turismo por ex.) que canalizam os apoios financeiros comunitários para o território, tem havido uma clamorosa falta de estratégia económico-social e trabalho em harmonia entre partidos políticos e órgãos de poder central e regional/municipal para solucionar os problemas estruturais desta região que se mantém desde 1989 como uma região com PIB 75% abaixo da média da UE, quando os fundos europeus de investimento serviram precisamente para debelar essas assimetrias.

A temática da Regionalização está novamente à nossa porta pela mão do PCP, no entanto parece-me mais relevante discutir a seriedade, a experiência, o conhecimento e a noção de causa pública dos cidadãos e dos agentes de gestão deste território. Nem a gestão municipal permitiu que os municípios alentejanos na sua maioria saíssem do rol de índices económico-sociais indesejáveis, nem a sua CCDR e regiões de Turismo, conseguiram diminuir as enormes clivagens entre o sul e o norte do país. No meu entender não por carecerem de um novo órgão de poder, mas por tibieza política, falta de responsabilidade, de conhecimento e estratégia e concertação de esforços.

Em resumo, apesar do retorno da Regionalização, parte da solução para o melhor Alentejo, para um Alentejo de Excelência, reside na capacidade humana dos seus líderes, da vontade que alentejanos residentes cá ou fora assumam para fazerem parte da mudança, de agirem em defesa da sua terra, de a sonharem e a materializarem em algo de concreto. Temos evoluído bastante na capacitação humana dos nossos cidadãos, temos pessoas mais bem formadas, mais dotadas tecnicamente, com maior pensamento crítico. Os exemplos do Carlos Sezões e da Susana Pedro são sintomáticos dessa elevada capacitação e dois verdadeiros exemplos de leões capazes de liderar um exército de ovelhas. Temos felizmente, muitos outros leões pelo nosso território, capazes de elevar este mágico cantinho de Portugal à espreita para se fazer cumprir.

 

Imagem de fbe.unimelb.edu.a