7 Março 2019      10:18

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Violência doméstica

Por Beatriz Velez

Apesar de sermos um país pequeno em comparação com os nossos vizinhos, damos passos irregulares e, alguns deles, mostram-se grandes para resolver um problema da mesma dimensão. Segundo as estatísticas, o ano de 2019 iniciou-se com doze vítimas de violência doméstica, onze delas mulheres e, entre elas, uma bebé de 2 anos. Para todos os efeitos, passo a citar: "o Conselho de Ministros aprovou e assinalou, na passada quinta-feira, o dia 7 de março como o dia de luto nacional contra a violência doméstica, juntamente com a criação de uma equipa técnica multidisciplinar no mesmo âmbito." Assim, o fim às vezes é o início de uma transformação.

Comecemos a abordagem da temática da violência doméstica com a aceitação e interiorização do facto de que nem todas as feridas aparecem. Nem todas são visíveis. Excluamos o ditado "o que olhos não veêm, coração não sente". Portanto concluamos, desde já, que não deve surgir julgamento ou desconfiança da dor do próximo só porque não a vemos ou sentimos. Sendo que 80% dos casos de violência doméstica são praticados pelo/a parceiro/a da vítima podemos afirmar, com certezas, que sim, entre briga de homem e mulher mete-se a colher.

Não sejamos ignorantes ou hipócritas somente por o "problema" não ser nosso. Realmente não é, mas temos todos o direito e o dever de intervir, visto que se trata de um crime público. Não fechemos os olhos ao que está à nossa frente todos os dias, pois "o pior cego é aquele que não quer ver". Relembremos para sempre todas as vítimas do silêncio e das dores externa e interna que partiram com a esperança que "talvez mudasse".

Ele não precisa de (te) me disparar um soco, estrangular-me (te) ou esmurrar a minha (tua) cabeça contra uma parede para ser violência doméstica. Ele até pode denegrir a minha (tua) imagem, humilhar-me (te), fazer sentir-me (te) culpada, mentir-me (te), controlar as minhas (tuas) economias ou simplesmente controlar-me (te) que não invalida o facto de ser violência doméstica. O problema não é só meu porque tu tens conhecimento dele. A violência doméstica não é só física. A verdade será sempre a verdade, ainda que ninguém acredite nela. Qual é o limite jurídico para a solidariedade humana?

Violência gera violência. Atacaram-nos com socos e defendemo-nos com abraços. Não há justificação para tais atos. A culpa não é minha. A culpa não é tua. Não é amor. Amor é um ninho e não uma gaiola. Não precisamos da permissão do outro para sermos nós próprias. Não me escondo. Já não me escondo. Não me calo. Já não me calo. Não omito. Já não omito quem e o que me magoou. Não me apertes mais, pois eu escapo por entre os teus dedos. E escapei. O meu passado não me condena, já não. O teu passado não te condena, ainda bem. O nosso passado não nos condena, jamais.

Se tu não te livras do que te fere e mata todos os dias, a ferida nunca irá cicatrizar. E existem cicatrizes e medos que permanecem até à morte. Não espere morrer mais uma. Outra vez.

 

Imagem de capa de Paulo Pinto

 

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