28 Abril 2022      13:02

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Vinho da talha no Alentejo, uma tradição milenar

Já por aqui relatámos um conjunto de tradições que, pela sua antiguidade, são hoje uma verdadeira herança cultural, reforçando a identidade da região. Algumas delas são originárias do nosso território, sendo outras de forte influência cultural de povos que por aqui habitaram.

Pois bem, é precisamente para uma das mais antigas e singulares tradições do Alentejo que segue o nosso roteiro – a produção do vinho da talha. O seu método de produção e o milenar processo de vinificação remontam à época de ocupação romana. Não existindo apenas uma forma de fazer o vinho da talha, variando conforme a tradição local ao longo de gerações, de forma quase imutável, o Alentejo tem sido um verdadeiro guardião desta técnica ancestral.[1]

Na base deste processo está logicamente a talha, “um recipiente redondo em forma de pote bojudo, feito em barro, com uma abertura na face superior, cozido num forno de lenha”.[2] Podendo, no entanto, ter várias formas ou capacidades. Para a sua produção de forma artesanal, existiam três importantes centros oleiros na região: Beringel, S. Pedro do Corval e Campo Maior. Durando alguns dias todo o processo, as talhas eram feitas à mão e utilizada a técnica do cordão por parte dos mestres oleiros.[3] Uma outra profissão associada à manutenção e restauro das talhas é a de gateador. Neste ofício, os gateadores aplicavam “gatos” nas talhas para as remendar.[4]

 Por sua vez, a vinificação em talha no Alentejo é muito distinta de outras regiões vitivinícolas. O processo inicia-se com a chegada das uvas à adega e posterior esmagamento com ou sem engaço. São ainda muitas as adegas onde se utiliza o “ripanço” (retirar a parte lenhosa do cacho). De seguida, e já durante a fermentação, as massas vínicas (manta) são mexidas de forma artesanal com um rodo de madeira. Todo este processo é feito várias vezes ao dia. De forma a que o ambiente da vinificação seja o mais fresco possível, algumas adegas estão alguns metros abaixo do chão. Quando a fermentação termina as massas assentam no fundo. Após este processo de fermentação e o vinho repousado algumas semanas, ou se esvaziam as talhas e o vinho é passado para outras talhas, sendo consumido no ano seguinte, ou por outro lado, se coloca uma torneira no orifício perto do fundo da talha e se serve o vinho diretamente.[5]

Não esquecendo naturalmente toda a Região Vitivinícola Alentejana, que tão bem tem preservado esta prática, assim como toda a produção de cariz familiar, destacamos o nosso foco para aquela que é considerada a Capital do Vinho da Talha – Vila de Frades. Quando esta tradição estava prestes a desaparecer, foi precisamente nesta vila que, em 1998, surgiu a “Vitifrades”, um certame que em boa hora soube valorizar e preservar o vinho da talha. Surgindo da necessidade de preservar uma prática ancestral, o Centro Interpretativo do Vinho da Talha está, desde 2020, de portas abertas precisamente na freguesia de Vila de Frades (concelho de Vidigueira). Um verdadeiro espaço de interpretação e conhecimento da produção artesanal do vinho da talha.

Tal como tantas outras tradições e saberes do Alentejo, a Câmara Municipal da Vidigueira, lidera a candidatura da Produção Tradicional de Vinho de Talha a Património Cultural Imaterial da Humanidade (UNESCO). Um dossier que envolve 22 municípios e 7 entidades. São ainda parceiros desta candidatura à UNESCO, o Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património – CEARTE, a Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo – CVRA, a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo, a Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, a Direção Regional de Cultura do Alentejo, a Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo e a Vitifrades – Associação de Desenvolvimento Local.[6]

Imagem de capa de winerepublicportugal.wordpress.com

 

 

[2] BAIÔA, Manuel; SANTOS, João Pereira. “Vinhos da Talha, a renovação de uma tradição milenar”. Paixão pelo Vinho, p. 58-61

https://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/24022/1/Vinhos%20de%20Talh...

[3] Idem

[4] LOUREIRO, Virgílio. “Mais de oito mil anos de vinho da talha”. Epicur Especial, p.4-11

https://dadospdf.com/download/mais-de-oito-mil-anos-de-vinho-de-talha-_5...

[6] Agradecemos a informação prestada pelo Município da Vidigueira