20 Maio 2021      14:22

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Vila Viçosa  - “A Bela Adormecida”?

Depois de um período extremamente conturbado, a tendência vai claramente no sentido de aliviar as restrições impostas nos últimos e longos meses, por causa da pandemia. O processo de vacinação decorre a bom ritmo e o aproximar do verão traz consigo um novo sinal de esperança.

 As esplanadas começam a encher, os restaurantes a funcionar com novos horários, os hotéis a reabrir e os turistas, paulatinamente, a circular pelas nossas localidades. Os emails voltam a cair na nossa caixa de correio e já nos atrevemos a fazer planos para o futuro, depois desta espécie de “hibernação”. Há uma nova luz a renascer, também em cada um de nós…

Contudo, a história ensina-nos a encarar esta nova fase das nossas vidas com alguma prudência. O pesadelo ainda não acabou, apesar das boas perspetivas e não esquecendo o que ainda se passa na Índia e no Brasil. Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém e não devemos lançar foguetes antes da festa.

Porém, parece evidente a chegada de um novo ciclo, que exige também uma profunda reflexão. Talvez a pandemia, não obstante os seus elevados custos e as vidas infelizmente ceifadas, nos permita agora encarar o futuro com algum otimismo.

Se a situação a nível da saúde pública aparenta estar mais controlada, não devemos esquecer que cabe a cada um de nós cumprir escrupulosamente as regras sanitárias e permitir que a economia possa ter um novo impulso, absolutamente necessário para o nosso desenvolvimento.

No caso específico de Vila Viçosa, como devemos encarar as novas oportunidades, que irão inevitavelmente surgir?

Pese embora o preço que está a ser pago, está na altura de arregaçar as mangas e recomeçar a trabalhar em prol da comunidade. No âmbito da minha experiência pessoal, ouço de forma recorrente o seguinte comentário, pela boca de gente vinda de todas as partes do mundo:

- “Vila Viçosa é um diamante por lapidar! É um tesouro desconhecido do Alentejo!”

Existe de facto uma estupefação generalizada, sobre o facto da “Princesa do Alentejo” não ser mais conhecida, aquém e além-fronteiras. Ao escutar estes comentários, apercebo-me que, em certa medida, continuados fechados numa espécie de concha, longe de tudo e de todos, em que o melhor, para alguns, é que tudo continue exatamente como está…

Outros, entre os quais me incluo, expressam a opinião de que há ainda um longo caminho a percorrer no que há divulgação (e não só) diz respeito. Mas, para haver divulgação, para que nos possam conhecer, necessitamos de disponibilizar uma oferta de qualidade, apostando na melhoria das condições físicas de acolhimento.

O povo calipolense é genuinamente hospitaleiro, mas são necessárias infraestruturas e novos projetos e medidas para evidenciar e valorizar os nossos recursos endógenos.

Será coerente privilegiar a calçada em detrimento do estacionamento automóvel, como acontece por exemplo na envolvente do Castelo, prejudicando a lotação e o acesso ao parque para autocarros de passageiros no local? Como será feita a gestão deste espaço quando as excursões começarem a chegar e tudo estiver “entupido”? Falta fazer este planeamento e pensar nos seus efeitos a médio prazo, sobre esta e outras matérias.

Porque não encarar este novo período pós-COVID como o momento certo para se fazer uma aposta nesse sentido? Criar uma estratégia, definir prioridades, estabelecer um plano de comunicação eficaz, lançar ideias para discussão e tomar decisões coerentes e com fundamento deverá ser o caminho.

Não bastam as palavras, as iniciativas que não passam das gavetas e os projetos que, sendo apresentados com pompa e circunstância, não passam do papel e dos efémeros registos fotográficos das cerimónias oficiais. Por outro lado, há que investir na recuperação do tecido empresarial, assegurar o apoio social aos mais desfavorecidos, apostar na revitalização cultural e dinamizar a componente turística. Temos um longo e exigente trajeto a percorrer e não podemos perder o foco no essencial.

Vamos aos casos concretos:

O que se passa com o projeto hoteleiro da antiga SOFAL? Avança, não avança? Em que ponto se encontra? Este é mais um caso sobre o qual quase nada se sabe.

Em termos patrimoniais, há um dever claro no âmbito da conservação de edifícios e espaços que tem sido adiado e que merecia, por parte das entidades com responsabilidade na matéria, uma maior atenção. Não cabe somente ao Município dar passos concretos sobre estes assuntos, mas existe a obrigação, na minha opinião, de desenvolver esforços em termos de mediação para ajudar os proprietários e as tutelas na solução dos problemas.

Falo da Igreja e Convento da Esperança e dos seus magníficos frescos, que avançam para um irremediável estado de ruína, da Igreja da Lapa, com os telhados a ruir, da Igreja de Santo António, com um revestimento azulejar único e em risco, dos embrechados da Casa dos Sanches de Baena, dos azulejos da Capela de São Nicolau Tolentino do antigo Convento de Santa Cruz (parcialmente furtados) e das Ermidas de São Domingos e de Nossa Senhora do Paraíso, que têm sido esquecidas pelo poder político, apesar das chamadas de atenção e propostas de intervenção da sociedade civil. São apenas alguns casos.

Para se atingir o objetivo de classificação de Património Mundial por parte da UNESCO, há que olhar para estes problemas e propor soluções concretas. Não devemos esquecer que o património é um dos nossos principais ativos.

Se queremos prolongar o período de estadia dos turistas, que mais cedo ou mais tarde chegarão ao nosso território no pós-COVID, temos que apostar na requalificação destes e de outros espaços, permitindo que possam ser visitados. Para além do Paço Ducal e do Castelo, existe muito mais oferta, que continua parcialmente numa espécie de limbo!

Temos uma forte tradição a nível da doçaria conventual, que tem sido subaproveitada e que poderia constituir uma imagem de marca do concelho, em conjugação com a vertente do património edificado e da ligação aos espaços conventuais de Vila Viçosa. Tibornas, manjar do Convento das Chagas, sericá e Bolo-Duque são alguns dos exemplos que tem sido esquecidos e aproveitados (e bem!) noutros contextos.

A responsabilidade sobre o futuro deste património é de todos nós e o esforço para a sua reabilitação deve ser repartido, definindo estratégias e batendo a todas as portas, com o objetivo de salvar aquilo que ainda existe. E infelizmente, esse trabalho não tem sido feito. Todos temos que ser “advogados” e “diplomatas” em defesa da nossa herança cultural.

A recuperação estes espaços permitiria a sua fruição pública, com a criação de rotas concebidas através de protocolos entre as instituições locais e que poderiam constituir eixos de referência em termos de boas práticas patrimoniais e turísticas, com o apoio de parceiros com experiência nesta matéria.

A aproximação do momento eleitoral autárquico exige uma reflexão por parte da comunidade calipolense. Penso que existe uma opinião generalizada sobre as muitas lacunas e necessidades que têm vindo a ser sucessivamente adiadas ao longo de décadas. A minha avaliação, ainda que subjetiva, é que a mudança é maioritariamente desejada, apesar de não se saber para onde vai pender. Está nas nossas mãos alterar o rumo dos acontecimentos.

Vamos deixar ficar tudo na mesma e assistir a uma agoniante decadência da nossa terra, de braços cruzados?