23 Fevereiro 2019      08:32

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VIII. Hong Kong

A cidade é fantástica. Os prédios são enormes e estão aglomerados uns em cima dos outros. As ruas, no centro, são tão estreitas nos bairros antigos que nelas quase não entra o sol. Há sempre uma azáfama. Desde Causeway Bay até Kowloon, Hong Kong é cheio de variedade. Os cheiros da comida, os aquários com precisa prontos a comer e o mar ao fundo. Atrás, a montanha verde e a China. Hong Kong e Macau são, por tão diversas razões, regiões especiais.

Os táxis vermelhos serão uma das primeiras coisas que chamam a nossa atenção. Os quatro detetives apanharam um desses táxis, dois aliás, para o hotel Ramada, perto de Causeway Bay. Amaro e a mulher um ano antes tinham feito a mesma coisa.

Tanto Amaro como a mulher chegaram a Hong Kong extremamente cansados. Depois da correria e de tantas horas parados dentro daquele avião, só pensavam no duche quente e na cama acolhedora. Iriam dormir até muito tarde no dia seguinte, pensavam. Esqueceram-se do jet lag. Esse pequeno monstro que vive debaixo das camas dos viajantes e que os acorda às três da manhã.

Ambos acordaram às 3 da manhã e não voltaram a pregar olho. Sendo os dois médicos deviam saber que a melatonina se usa para estas coisas. Nenhum se lembrou disso.

Nesse dia, percorreram a cidade. Tomaram o pequeno-almoço no hotel que os esperava e estava incluído. À mesa tinham um ar pesado. Além das olheiras que eram enormes, havia algo na sua cabeça que perturbava a mulher e, por inerência o homem. Não era possível perceber bem o que era ainda naquele momento. Ela fez um esforço para conter as lágrimas e ele seguiu o exemplo. De nada servia chorar naquela situação. Nada se resolveria.

Após o pequeno-almoço, encaminharam-se a uma casa antiga, numa porta pequenina que dava para umas escadas meio sinistras que, por sua vez levavam ao terceiro andar e aí, numa porta pesada, havia o sinal em cantonês e inglês que indicava que ali se fazia acupuntura. A mulher precisava desesperadamente aliviar a dor, usando esse método da medicina tradicional chinesa.

Amaro ficou à sua espera cá fora. Impaciente, ponderou ligar aos seus filhos, contar-lhes o que se passava. Não podia carregar sozinho com o sofrimento de quatro pessoas. A sua vida tinha-se tornado demasiado volátil em redor da mulher, do seu desespero. Amaro sabia que o sofrimento, caso o passasse aos filhos seria pior. Não queria. Conteve-se e nada disse.

Quando a sua mulher saiu, vinha em lágrimas. Tinha aliviado um pouco a dor. Amaro sentia isso e aproveitaram o resto do dia para passear pelas ruas de Hong Kong. No dia seguinte iriam a Macau. O dia seguinte seria um novo dia, mas repetiria a sessão de tratamento pela manhã, os pensamentos de Amaro e as lágrimas da mulher.

Nessa noite Amaro escreveu todo o relato do dia, contando detalhadamente o que tinha passado, detalhando em palavras o sofrimento da mulher, o seu próprio, o fervor da cidade, a solidão dos dois juntos e o pensamento sem noção sobre o futuro. Tanto um como o outro já sabiam bem o que ia acontecer. Tinham falado e tinham decidido tudo. Ficou tudo escrito nessa carta, que Amaro fechou e guardou no cofre central do hotel. Os detetives não tinham ainda encontrado as cartas.

Macau era uma cidade embelezada de contrastes. Por um lado, as velhas ruínas da cidade, por outro lado os casinos, as luzes. Nesse dia, foi a mulher que deixou inscrita naquela folha com o símbolo do hotel as suas memórias. Fechou a carta e Amaro deixou-a no cofre central, como as outras. Os detetives ainda haviam de as encontrar, durante a sua estadia.

Amaro e a mulher ficaram mais dois dias naquele lugar.

 

(Continua...)

 

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