18 Fevereiro 2018      13:59

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A VERGONHA, DE INGMAR BERGMAN

A Vergonha (Skammen) (1968), de Ingmar Bergman

Um filme sobre a guerra dirigido por Ingmar Bergman. Eis uma frase que soa estranha. E em bom rigor, logo que o filme começa começamos a ouvir falar de uma guerra. Pouco se adianta, mas sabemos que já decorre há algum tempo.

Mais, a fórmula usada nos planos iniciais do filme já é sintoma dessa guerra. E depois a guerra chega, i.e., é mostrada. Artifício de explosões depois dos maus presságios.

Mas isto é Bergman, como alguém mencionou, e se é Bergman e começa com um casal, então é tanto mais sobre o casal e a guerra não passa de uma desculpa. Talvez se exagere, mas, não esquecer, isto é Bergman. E guerras há muitas, para todos os gostos e desgostos.

As forças dentro do casal são desiguais: ele chora muito e quase sempre que o incerto lhe aparece sem máscara (máscaras, eis um símbolo caro a Bergman); ela, ao longo do filme refere-se três vezes a sonhos e até meio nunca perde a sua máscara (a da austeridade racional). Mas, por outro lado, ela sonha, e o lógico parece ser ele.

Ela, no que respeita a um dos sonhos, manifesta uma perplexidade: “parece um sonho, mas não meu; de outro que sonha connosco. E que acontecerá se essa pessoa acordar?”.

E o tempo passa, o casal vai perdendo tudo: o carro, a casa, a dignidade, a réstia de virtude em que tantos, quase todos, todos desta espécie crêem porque certo dia, sem que lhes fosse dado escolher, acordaram para a consciência da sua condição – da sua, enfim, humanidade. Consciência de que ninguém consegue fugir durante todo o tempo.

Por sonhos, ela: “Tive um sonho. Descia por uma estrada lindíssima. De um lado havia casas brancas com arcos pilares; no outro, um parque sombrio. Junto às árvores, que cresciam à beira da estrada, corria um regato de água esverdeada. Depois cheguei perto de uma parede comprida, ladeada por rosas. Então apareceu um avião e as rosas começaram a arder. A sensação não era de todo má, pois era uma imagem muito bela. Via nos reflexos da água as rosas a arderem… Tinha um menino nos braços, a nossa filha. Ela trepou por cima de mim, até que os seus lábios me tocaram no queixo. Sabia, sempre soube, que devia recordar alguma coisa, algo que alguém disse e eu tinha esquecido.”

E os olhos fecham, agora sim, de vergonha. Os que tentam esquecer, para mal dos seus pecados, tantas vezes do nada, outras depois de percorrido um caminho que julgavam / pretendiam contrário, acabam sempre enclausurados na prisão da memória. Recordar é o seu destino, a sua perdição, a sua hipótese.

Lá está, ninguém consegue fugir o tempo todo.

 

Imagem de agenciapara.com.br