8 Agosto 2021      11:58

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A vergonha

Começo a escrever esta semana com algum receio, alguma insegurança em colocar as palavras juntas e construir frases que não sei se farão sentido algum. Se assim for, terei vergonha de escrever as linhas que se seguem.

Sendo muito semelhante a um camaleão, a vergonha pode assumir diferentes formas e aproximar-se daquilo que mais receamos.

A vergonha pode ser timidez que me impede de chegar mais perto do Outro e me deixa numa redoma. Nesse caso, sou envergonhado. A minha vergonha impede-me de me deixar quebrar a barreira do silêncio. Dirão de mim e de tantos outros que éramos uns rapazes e umas raparigas envergonhados. Será esse o nosso traço, o de ter a timidez como barreira natural.

Outra forma de vergonha é não ter vergonha de ser desenvergonhado. É superar essa barreira do silêncio e expandi-la, indo muito além do medo e da falta de palavras. Um desenvergonhado usa as palavras todas e mais algumas, muitas vezes aquelas que usa para fins menos ortodoxos. Desses dirão que era um desenvergonhado. Ou que não tinha vergonha nenhuma. Em oposição ao primeiro que era tímido e não usava as palavras, este segundo usa todas e sabe como as utilizar. Ser apelidado de desenvergonhado é constatar que esse sentimento existe mas não na forma de culpa.

Vergonha nasce e surge quando algo não nos corre bem e nos deixa numa situação absolutamente desconfortável. Desde pequeninos que sabemos é ouvimos que vergonha é roubar e ser apanhado, ou que vergonha é fazer xixi na cama e dizer que é suado. Desde pequeninos que a vergonha faz parte de nós. Desde muito jovens que convivemos com ela.

Adão e Eva sentiram-na, por eles e por nós, pela primeira vez quando foram expulsos do paraíso e se viram sem roupas. Foi esse o momento em que a vergonha nasceu e passou a deambular entre nós.

Muitas vezes a vergonha casa-se com o medo. Outras divorcia-se da alegria e da emoção. Ela acompanha-nos e entra dentro de nós com garras soltas, crava-se debaixo da pele e não nos deixa respirar.

Não raro é usada como arma de arremesso, ditando a outros que a tenham, gritando que não a têm. Tudo isso na sua ignorância, sem que ela se reconheça. Pensei que talvez a pudesse descrever, mas perdi-me e tenho vergonha de admitir. Afinal, quem me sabe dizer o que é a vergonha?